\ A VOZ PORTALEGRENSE: Revista

quarta-feira, abril 04, 2007

Revista

A PERSPECTIVA INTEGRAL
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Alain de Benoist
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O homem nasce primeiro como um herdeiro. Ele não nasce em série, ele nasce dentro de um povo, dentro de uma cultura, dentro de uma dada era, e é desta particular posição em que está que ele será levado a emitir juízos de valor e juízos de facto; (é tão necessário aspirar à objectividade, como quanto teremos que nos resignar que sempre será impossível alcançar uma objectividade total. É impossível considerar «objectivamente» todos os aspectos de um problema, assim como o é olhar a terra de dois pólos ao mesmo tempo).
Nesta relação, as leis que governam as sociedades humanas não diferem muito das leis da microfísica: a posição do observador determina em parte o esboço da «paisagem» estudada.
O que é certo, por outro lado, é que as ideologias, isto é, os modos de ver e conceber o mundo, ainda quando não se associam como tal não foram sempre conscientes de si próprias como o são hoje, numa era em que já foram grandemente acumuladas e formalizadas numa multidão de sistemas. Esta «súbita preocupação ideológica» é, obviamente, uma consequência directa ou indirecta da revolução de 1789. De facto, logo que o princípio de autoridade que naturalmente governava as sociedades da pré-revolução foi posto em dúvida na sua legitimidade e nos seus fundamentos, tudo o que antes «was going without saying», tudo o que era espontaneamente considerado como posição integrante de uma «ordem natural», apareceu como convenção, isto é, como uma criação humana subjectiva, e, em consequência, deparou-se com uma grande quantidade de facções político-ideológicas. Pretendendo todas, sucessivamente, possuir uma «nova verdade» e procurando os meios de assegurar o poder para si próprias. Paralelamente, desde que o Estado se colocou na posição de ser questionado pelas diversas facções, as quais estão aptas a uma tomada do poder de um dia para o outro (como é hoje sabido) vimos, enquanto todo um edifício de contra-poderes era levantado frente ao poder estabelecido, simultaneamente surgir toda uma multiplicação e expansão de pólos de pressão ideológica.
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A escola e a política
Penso que, aquela corrente a que geralmente chamamos Esquerda ou Extrema-Esquerda, teve o mérito de ter sido a primeira a tomar consciência da realidade estrutural da inter-conexão de todos os sectores da mente e da actividade e, consequentemente, da realidade da impregnação ideológica destes sectores. A chamada Direita, pelo contrário, conservou-se durante bastante tempo, prisioneira da ideia ilusória de que havia sectores «neutros» — ou (de um modo ligeiramente diferente) de que era possível voltar à situação anterior, na qual um consenso implícito era alcançável nestes sectores. Temos em França um bom exemplo dessa diferença de atitudes no campo da educação. Enquanto a extrema-esquerda se vai apossando de um importante número de posições-chave na educação secundária e universitária, a direita nada mais faz do que lastimar a «politização da escola», que aparece de facto como irreversível (e que está hoje especialmente aberta ao criticismo porque é unilateral).
Aquilo que. no debate intelectual, fez a superioridade metodológica do esquerdista, foi ele ter sabido (e continuar a saber) o que cada um tem que pensar, do seu ponto de vista, em tópicos que são, à primeira vista tão diferentes como as relações de produção na Idade Média, a pintura abstracta, a invenção do cinema, o «Design» de «Mass Housing», a genética molecular ou a teoria «Quantum» (ou pelo menos ele sabia que neste, como em qualquer outro tópico, a doutrina que ele tinha como sua, tinha uma palavra a dizer). A Direita pelo contrário não entendeu que não havia «verdades da ala direita» e «verdades da ala esquerda», mas sim, caminhos de direita e de esquerda (para mais uma vez utilizar expressões convencionais) com o fim de calcular os factos admitidos, adquiridos pela mudança de conhecimento, organizando-os, colocando-os numa perspectiva particular que lhes dará igualmente um significado particular.
E é provavelmente a razão porque a esquerda e extrema-esquerda acertaram sempre, mais sistematicamente na teorização, na formalização do seu «Approach» epistemológico e doutrinário, na criação de um corpus ideológico, útil para ser usado como referência em discussões posteriores.
Quer isto dizer que não há «ideologia da ala direita»? Claro que não. Mas em muitos casos, poderíamos afirmar que esta ideologia apenas existe por dentro, de uma maneira implícita. A direita ignora muitas vezes as suas potencialidades; muito raramente teve noção de todas implicações das suas próprias aspirações. A sua «mensagem» está presente mas não explícita. Todo o trabalho, agora, consiste em trazê-la à superfície.
in, ALTERNATIVA, Nº 1, ABRIL 1985, p.4-5