Luís Filipe Meira
Paulo
de Carvalho no CAEP
.
Voz,
Piano e a Exaltação da Poesia
Paulo de
Carvalho atuou sábado passado no CAEP. Julgo que foi a primeira vez que o
artista nos visitou, sendo também o meu primeiro concerto de um dos maiores
cantores/compositores da história da chamada música ligeira portuguesa.
Aos 66 anos de idade e meio século
de carreira, Paulo de Carvalho já passou por todos os capítulos desse imenso
livro que nos conta a história da música portuguesa; o rock dos 60s com os Sheiks; uma tentativa de carreira
internacional com “As Canções de Manolo
Diaz” em 1970; a produtiva e interessante fase festivaleira de 71 a 74; o
fulgor revolucionário nos anos subsequentes; o regresso ao passado das canções
com Fernando Tordo e Carlos Mendes em “Só
Nós Três” em 1989; ainda uma incursão pela música sinfónica com Álvaro
Cassuto em 1993 e com a London Symphony Orchestra em 1994; compôs e interpretou
fados; criou pontes entre os vários géneros e culturas musicais em 1992 no
projeto “Musica d´Alma” com o
espanhol Vicente Amigo e com artistas africanos; em 2012 editou o álbum “Duetos de Lisboa”; e há poucos dias
subiu pela primeira vez ao palco do Coliseu de Lisboa para um espetáculo em
nome próprio.
Paulo de Carvalho viveu uma vida
cheia entre glórias e fracassos, entre amigos e falsos amigos, mas como disse Noel
Coward “the show must go on” e Paulo
de Carvalho tem o feito de forma exemplar, nunca entrando em euforias
desmedidas nem em depressões continuadas, e o espetáculo “ Voz e Piano”, a que
assistimos no CAEP, foi a prova provada disso mesmo.
Admito que as minhas expetativas
estavam divididas entre a certeza de um espetáculo digno e o reconhecimento da
dificuldade de gestão, pelo risco de monotonia, de um concerto apenas com piano
a acompanhar. No entanto essas minhas pequenas dúvidas ficaram desfeitas ao ver
a forma como o artista prendeu o público logo na abertura com a interpretação à
capella de “Uma Canção” colada a “A Voz” pelo piano de Vítor Zamora. Depois foi
o fluir do espetáculo de uma forma descontraída, mas muito séria.
A
exaltação da poesia portuguesa é o pretexto do espetáculo, de forma cantada por
Paulo de Carvalho com o suporte de luxo que é o piano do músico cubano, Vitor
Zamora, pleno de sobriedade e competência e pontuada pelas declamações de João
Loy, diseur empolgante a fazer
lembrar Mário Viegas, que percorreram com profundidade a poesia de Alberto
Caeiro, António Boto, Pedro Homem de Melo, Fernando Pessoa, Ary dos Santos e Camões.
Paulo de Carvalho escolheu para este
concerto um reportório sóbrio, mas de extremo bom gosto, onde não faltou uma
incursão à Cuba de Sivio Rodriguez, a Cabo Verde de Cesária ou um improviso,
apenas acompanhado de adufe, sobre dois versos de Agostinho da Silva. Em
momento algum se deixou levar pelo facilitismo das canções mais populares, mas
como não podia ignora-las, reservou-as para um final mais ou menos apoteótico
com os “Meninos do Huambo” em comunhão com o público e uma contida, mas não
menos magnífica, interpretação de “E Depois do Adeus”. O encore trouxe a célebre “Nini” já em coro, com o público rendido a
extravasar o prazer pelo espetáculo que tinha assistido.
Foi pena que o Grande Auditório do
CAE não tivesse repetido a lotação esgotada do concerto de Camané. Razões
haverá certamente e não vale a pena especular sobre isso. Mas foi pena porque é
sempre uma enorme satisfação ver um artista aos 66 anos de idade e com 52 de
carreira apresentar um espetáculo de tamanho nível assente na exaltação da
poesia portuguesa que nós, quase, todos ignoramos.
É público e notório que somos um
país de grandes poetas que não lê poesia. Por isso sessões desta qualidade são
e serão sempre bem-vindas.
Paulo de Carvalho está para durar,
se me permitem a analogia futebolística, está em excelente forma física e
técnica, o que perdeu em potência vocal ganhou em maturidade, tem um
conhecimento acumulado ao longo de décadas e sabe aplica-lo ao momento. Tem
pois o savoir faire necessário e,
julgo, que suficiente para manter uma carreira notável em velocidade de
cruzeiro. A prova é este formato que tem tudo, digo eu, para ser um sucesso em
salas apropriadas.
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