Mário Silva Freire
PELOS CAMINHOS DA PAZ – 8
A religião e a paz
O termo religião tem um significado que se estende, para além dos actos de culto que pretendem dar corpo a uma relação com Deus, à prática do bem. O Cristianismo estabelece mesmo o amor ao próximo como o 2º grande mandamento, logo a seguir ao de amar a Deus. E ama-se o próximo quando se têm para com ele gestos de paz. Por isso mesmo, João Paulo II afirmou que a religião possui uma função vital que é a de consolidar as condições para a paz, podendo desempenhá-la de forma tanto mais eficaz quanto mais decididamente se concentrar naquilo que lhe é próprio: a abertura a Deus, o ensino da fraternidade universal e a promoção duma cultura solidária.
Relativamente ao Islamismo, uma das palavras-chave desta religião é sálam que significa fazer a paz. A paz está inscrita na origem do islamismo e todo o verdadeiro muçulmano é promotor de paz. Hoje, em que se assiste a tanto radicalismo e intolerância por parte de alguns que se intitulam defensores dos valores islâmicos, seria bom que eles pudessem compreender a mensagem de ecumenismo que está escrita no versículo 2, 62 do Alcorão: “mas os crentes, os judeus, os cristãos e os sabeus, todos os que crêem em Deus e no Dia do Juízo e que praticaram o bem, todos eles receberão a recompensa do Senhor; nenhum receio existirá neles e não ficarão tristes.”
O judaísmo é igualmente uma religião em que a paz assume um valor primordial. A teologia rabínica fala da vida num mundo melhor, à semelhança do que o profeta Isaías diz, quando refere um tempo em que o homem não será mais um lobo para o homem, em que os animais serão tocados por essa graça universal, pois já não haverá caçador nem presa, em que o bebé poderá brincar junto do ninho da víbora sem correr qualquer risco.
A construção da paz, para aqueles que professam uma religião, remete para a coerência entre uma fé que se professa e o comportamento que se manifesta. Claro que esta incoerência faz parte da condição da humanidade. Pedro, que era o apóstolo em quem Cristo confiou para continuar a sua Igreja e que o acompanhou durante toda a sua vida pública, não deixou de o negar, apesar de, repetidamente, reafirmar a sua fidelidade. E por três vezes Pedro negou o seu Mestre, enquanto este estava a ser humilhado, numa altura, humanamente falando, em que Cristo mais precisaria de apoio e solidariedade!
Esta constatação da fragilidade humana não deve, no entanto, fazer esquecer que os crentes têm responsabilidades acrescidas, pois a fé que professam põe na paz e na solidariedade os sinais que devem pautar o seu relacionamento com os outros. A religião tem que domesticar a violência e canalizá-la para obras de generosidade. Não é religioso quem advoga a violência.
Com este artigo, termino esta série de oito pequenas reflexões sobre a Paz.
Mário Freire
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