António Martinó de Azevedo Coutinho
I – De vez em quando a gente lembra-se... e depois passa
Provavelmente, para os mais velhos, tudo começou em Hiroshima. Nesses tempos duma guerra que por aqui, pela velha Europa, já estava quase extinta, ainda se disparava e morria lá para os lados do Oriente. Os japoneses teimavam em resistir a um destino marcado desde a queda de Hitler. Foi então, segundo rezam os manuais da especialidade, que o todo-poderoso presidente da América, Harry Truman de seu nome, deu a ordem fatal para o lançamento da bomba atómica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Estávamos a 6 de Agosto de 1945.
Após o impacto do Little Boy, irónica designação desse mortífero artefacto de guerra, calcula-se que cerca de 150 000 residentes na zona (dos quais apenas 20 000 seriam militares) foram sacrificados. A contagem total daqueles que durante décadas sofreram atrozmente os efeitos da radioactividade libertada tornou-se praticamente impossível... Aliás, ainda hoje continua a negra série de heranças genéticas, em deformações, cancros congénitos, problemas de esterilidade e outras doenças decorrentes das radiações então livremente desencadeadas.
A Humanidade apercebeu-se então duma realidade prática, que confirmou as teorias científicas que em segredo circulavam, como latente ameaça... ou esperança. Mas o universo da energia nuclear não poderia ter escolhido um pior propagandista...
A história da Guerra Fria que se seguiu está recheada de sobressaltos, quase todos gerados em torno do nuclear, e nem sequer vale a pena recordá-los.
Os cientistas que tinham descoberto e, aparentemente, controlado esta nova forma de energia propuseram e desenvolveram o seu uso pacífico. E todos conhecemos algumas das suas aplicações, nomeadamente as postas ao serviço dos meios de diagnóstico clínico e do tratamento de certas doenças.
Outra das modalidades utilitárias atribuídas à energia atómica foi a de aproveitar a sua imensa força, convertendo o calor desencadeado em electricidade, vital para o progresso e o desenvolvimento da Humanidade, sobretudo em função de um próximo esgotamento dos combustíveis fósseis e das dificuldades técnicas e dos elevados custos das chamadas energias alternativas, ou “limpas”.
Por outras palavras, e em termos grosseiros mas funcionais, em vez de se libertar descontroladamente a energia nuclear mortífera, como em Hiroshima, a proposta científica (e pacífica) consistiria em “domesticar” essa força imensa, colocando-a docilmente ao serviço das boas causas.
Assim apresentada, a questão pareceria revestir-se das mais promissoras expectativas. Mas logo se apressaram algumas vozes a desmentir tão boas intenções. Cientistas tão reputados como aqueles que defendiam a energia nuclear começaram a proclamar os seus sérios riscos; grupos ambientalistas, mais ou menos radicais, empenharam-se em agressivas campanhas de protesto cívico; movimentos ecologistas, quase sempre conotados com a verde cor da esperança, organizaram-se e atingiram, como fortes partidos políticos, uma apreciável parcela de poder em diversos países ocidentais...
Apesar de tudo, certos e poderosos executivos nacionais conseguiram planear, construir e explorar as chamadas centrais nucleares, de diversas gerações cada vez mais perfeitas e seguras, produzindo uma considerável percentagem da energia eléctrica necessária, ao serviço da industrialização e do progresso dos seus países.
O pior foi quando aconteceram alguns graves acidentes, tal como tinham prognosticado os críticos. Bastará consultar qualquer simples relação hoje patente nas enciclopédias ou on line, para depressa nos apercebermos da impressionante quantidade e gravidade de alguns desses acidentes, sobretudo na Ucrânia, nos Estados Unidos da América e no Japão.
Entre estes, três sobressaem e convém aqui lembrá-los:
• 28 de Março de 1979 – Na central nuclear de Three Mile Island (Pensilvânia – Estados Unidos da América), um vazamento radioactivo através dos seus circuitos de refrigeração obrigou à evacuação urgente de mais de cem mil moradores na região afectada. Não houve vítimas, sendo o acidente catalogado de nível 5 numa escala internacional de 7.
• 26 de Abril de 1986 – Na central nuclear de Chernobyl (Ucrânia), uma explosão no reactor n.º 4 lançou grande quantidade de material radioactivo na atmosfera, equivalente a cerca de 200 bombas de Hiroshima. Foi contaminada apreciável parte da Europa, e morreram logo 31 pessoas. Calcula-se que desde então tenham falecido mais de 25 000 vítimas, devido às consequências directas do acidente, que atingiu o máximo nível: 7.
• 11 de Março de 2011 – Na central nuclear de Fukushima (Japão), os efeitos do gigantesco tsunami que se seguiu a um devastador terramoto danificaram directa ou indirectamente alguns dos seus reactores, tendo provocado 3 fusões parciais de núcleos, 4 explosões, vários incêndios radiológicos e emissão descontrolada de gases radioactivos. A gravidade do acidente, com efeitos humanos ainda por determinar, atingiu o grau 6.
Este último acidente está na nossa memória, até porque ainda está em curso. E, dos outros, ainda nos lembrávamos de alguma coisa?...
António Martinó de Azevedo Coutinho
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