Carlos Manuel Faísca
Primórdios da instrução primária no Distrito de Portalegre
Com a instauração definitiva do Liberalismo em Portugal (1834) o Estado procurou estruturar um sistema educativo, onde o ensino primário constituiu a principal preocupação tendo em conta três princípios fundamentais: um ensino laico, gratuito e obrigatório. Contudo, é necessário especificar o que, na época, se entendeu por laicidade do ensino. Ao contrário do que ocorreu com a implantação da República (1910), ou do que acontece no ensino público actual, o Cristianismo foi leccionado nas escolas primárias da Monarquia Constitucional (1834-1910), numa disciplina própria designada por “Doutrina Cristã”. O que realmente mudou foram os docentes, passando o ensino a ser ministrado maioritariamente por leigos e não por congregações religiosas.
O Estado empenhou-se então em estabelecer pelo território nacional estabelecimentos de ensino primário, não só nas sedes de concelho, como noutras povoações de menor importância e dimensão. Para tal envolveram-se neste processo diversas instituições públicas de âmbito regional e local, como o Governo Civil (através da Comissão dos estudos do Distrito de Portalegre) e, sobretudo, os municípios. Estes últimos, em determinados períodos, foram os responsáveis pelo provimento e pagamento dos professores das escolas do seu concelho.
Portugal era ainda, e continuará a ser durante muitas décadas, um país maioritariamente de analfabetos, onde até os professores escasseiam, sobretudo, nas povoações mais pequenas. Hoje trago-vos um exemplo da vila de Seda, onde ao concurso aberto em 1852 para a cadeira de instrução primária só se apresentou um candidato, natural de Galveias e, apesar da sua classificação manifestamente medíocre, acabou por ser aceite.
Realização do exame
“Aos nove dias de Dezembro de 1852 nesta cidade de Portalegre (…) compareceu António Máximo de Brito natural de Galveias e residente em Seda, legalmente habilitado a fazer exame como opositor da cadeira d’ensino primário, estabelecida na vila de Seda do concelho de Alter do Chão, para que juntou ao seu requerimento os documentos seguintes: certidão de idade, alvará de folha de corrida e três atestados passados pelo Pároco Administrador do Concelho e Câmara Municipal de Alter com os quais prova o seu bom comportamento civil, moral e religioso e outro facultativo que atesta não lhe conhecer moléstia contagiosa (…) presentes Luís Manuel da Fonseca e António José Lourinho, Professores Proprietários, aquele de instrução secundária e este da primária os quais foram convidados como examinadores (…)”.
1. História Sagrada (Medíocre); Doutrina Cristã (Suficiente) e Civilidade (Medíocre).
2. Gramática geral e portuguesa: Princípios Gerais (Medíocre); Regência e Análise Gramatical (Nada).
3. Leitura: Prosa (Suficiente); Verso (Medíocre); Letra de Mão (Suficiente); Letras antigas (Suficiente).
4. Caligrafia: forma de letra (Medíocre); conhecimento das diferentes espécies (Nada).
5. Ortografia prática (Medíocre), Regras gerais (Medíocre).
6. Aritmética: Prática das operações por inteiros (Suficiente); Quebrados e decimais (Nada); Razões, proporções e regra de três (Nada); Sistema legal de pesos, medidas e moedas (suficiente).
7. Método prático de ensinar: Ler, escrever e contar (Suficiente).
Portalegre, 9 de Dezembro de 1852”.
Parecer da Comissão dos estudos do Distrito de Portalegre
“Comissão dos estudos do Distrito de Portalegre – Seda.
Tenho a honra de remeter a Vossa Excelência os papeis relativos ao Exame do único concorrente à cadeira de instrução primária de Seda. António Máximo de Brito – Quanto ao comportamento moral, civil e religioso do examinado consta-me que é bom. Quanto ao seu merecimento literário nada tenho a acrescentar na presença das qualificações obtidas no exame, sendo todavia certo que a insignificância da terra não convida a que por ora concorram a esta cadeira pessoas suficientemente habilitadas.
Deus guarde a Vossa Excelência. Portalegre, 12 de Dezembro de 1852.”
Tomada de posse e início de funções
“Cândido Carlos de Sousa Zagalo Cardeira, escrivão da administração do concelho de Alter do Chão
Certifico que por virtude da Provisão do Conselho Superior da Instrução Pública de 11 de Janeiro do corrente ano, António Máximo de Brito, tomou hoje posse da regência da cadeira de instrução primária do primeiro grau da Vila de Seda deste concelho, e entrou em exercício do seu cargo. (…)
Alter do Chão, 14 de Fevereiro de 1853.”
_ A documentação encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
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