\ A VOZ PORTALEGRENSE: Mário Silva Freire

sábado, janeiro 08, 2011

Mário Silva Freire

PARA UM DESENVOLVIMENTO SOLIDÁRIO

Algumas realidades difíceis de aceitar (1)

Uma das realidades mais inquietantes da sociedade portuguesa é a existência de cerca de um quarto da sua população ser pobre. E ser pobre significa viver-se com um rendimento mensal igual ou inferior a 380 euros. Ora, esta taxa de pobreza é das mais altas da U.E. Por outro lado, é em Portugal, dentro da U.E., que se situa o fosso maior entre os mais ricos e os mais pobres. Mas, não o esqueçamos, estamos incluídos nos países desenvolvidos. Significa isto que, com raras excepções, não temos os casos de pobreza extrema.
Repare-se, agora, a nível mundial: cada uma das pessoas que compõe a metade da população do planeta (2.800 milhões de pessoas) vive com menos de 45 euros por mês e que, de entre estas (1.200 milhões), cada uma delas vive (?) com menos de 27 euros por mês. Para melhor se entender este drama a nível mundial, dir-se-á que todos os dias cerca de 100.000 pessoas morrem devido à fome. Mas, em contraste com estes números, apesar da população mundial ter aumentado nos últimos 20 anos em 100 milhões de pessoas, o rendimento mundial subiu, em média, de 2,3% ao ano.
Estes foram alguns dos muitos valores apresentados na Semana da Pastoral Social de 2010, referentes à tragédia da pobreza e que está a afligir uma parte significativa da humanidade. Como entender, então, tais valores?
A explicação que mais se valoriza para o aparecimento destes números é a do tipo de sociedade em que vivemos; e esta assenta em dois conceitos: posse e crescimento. Cada vez se pretende ter mais; mas isso significa consumir, comprar. É bom gastar-se naquilo que contribui para uma vida digna. O consumir implica produzir e isto equivale a dar trabalho às pessoas. O problema surge quando a produção é feita sem critérios de validade social e ambiental, quando os investimentos têm em vista, apenas, o lucro. Ora, estes raramente atendem às necessidades reais das populações e, muito menos, às necessidades ambientais
Crescimento não significa desenvolvimento. O desenvolvimento procura satisfazer as necessidades da geração actual, sem comprometer a qualidade de vida das gerações futuras. O que está em causa, porém, é estarmos a assistir à depredação de muitos recursos naturais e à contaminação de muitos outros, tornando o seu uso inviável pelas gerações que se seguem. Se estes investimentos trazem crescimento, este traduz-se, muitas vezes, nos lucros desmesurados que alguns têm e nas assimetrias sociais que geram, quer entre as populações dos países desenvolvidos, quer entre estes países e os mais pobres.
Há, pois, que reorientar as necessidades e os consumos nos países desenvolvidos. Se a crise que se está a viver tiver algum mérito, que ela sirva para estabelecer prioridades entre o necessário e o supérfluo; que ela contribua para gerar uma consciência social que se estenda a todo o planeta e que se traduza em acções que não pactuem com os interesses instalados em governos corruptos e em empresas que não olham aos meios para atingirem os fins; que consiga ajudar a ver, a todos nós e àqueles que têm o poder, que há muitos que sofrem de fome e de outras carências básicas mas que possuem uma dignidade humana que é preciso promover e assegurar.
Mário Freire
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(1) in, FONTE NOVA, n.º 1805, terça-feira 4 de Janeiro de 2011