António Martinó de Azevedo Coutinho
Entre as décadas de 40 e 50 do passado século acontece em Portugal um dos mais férteis períodos na edição dos quadradinhos.
O Papagaio arrastava-se já na sua fase terminal, mas surgia em 1936 o título que correspondeu, para muitos apreciadores, à mais significativa revista nacional de todos os tempos: O Mosquito. Cinco anos depois, teve a companhia do Diabrete, logo seguido d’O Faísca, em 1943, embora este efémero. Porém, a revolução maior no género foi protagonizada pel’O Mundo de Aventuras. As anteriores publicações usavam material essencialmente nacional -algumas com exclusividade- ou de origem espanhola, inglesa ou franco-belga. O Mundo de Aventuras vem trazer-nos, sobretudo, as novidades norte-americanas, incluindo os super-heróis.
Esta política editorial terá reflexos, também, no campo que aqui se pretende abordar, o das relações entre BD e publicidade.
Entretanto, uma forma interna de divulgação publicitária unira o ABC-Zinho a O Mosquito. Por vezes -sobretudo este- inseriram frases, desenhos e estribilhos de cariz auto-promocional, realçando os méritos das suas iniciativas editoriais.
Já no Diabrete, n’O Faísca, n’O Mosquito e n’O Mundo de Aventuras são concretizadas outras oportunas práticas promocionais junto dos seus jovens leitores, como a passagem de diplomas e certificados, a adesão a clubes internos ou a organização de concursos com prémios interessantes. Todo este conjunto de iniciativas tem como denominador comum um claro objectivo de fidelização dos leitores eventuais, transformando-os em seguros assinantes.
Aquilo em que O Mundo de Aventuras inovou consistiu na “importação” de alguns pormenores de cariz publicitário, com origem nos EUA, divulgados nas próprias páginas reproduzidas. Naturalmente, esta forçada “importação” não teve efeitos directos junto dos consumidores portugueses...
Apresentam-se, apenas, dois casos distintos. O primeiro, numa página de Flash Gordon (S.O.S. em Mongo), consiste na promoção dos chamados “bónus de guerra” (For Victory, buy United States War Bonds and Stamps), uma espécie de fundo de investimento público destinado a apoiar o considerável esforço dos EUA devido à sua participação na II Guerra Mundial. Este apelo foi uma das formas explícitas com que os comics participaram no flagelo bélico. Como bem se sabe, alguns dos heróis e super-heróis norte-americanos desempenharam um papel muito significativo na mentalização do público para a causa aliada, através das suas aventuras em pleno cenário de combate, da Europa ao Extremo Oriente, lutando contra os nazis e os japoneses.
A BD conseguiu participar nesta campanha em pleno conflito, ao contrário do cinema, que apenas se fez eco, a posteriori, das façanhas dos Aliados. Esta página de Alex Raymond está datada de 1942, pela própria agência distribuidora, a poderosa King Features Syndicate.
O outro exemplo é muito distinto, pois, em vez do apelo ao patriotismo actuante, está agora em causa a divulgação turística. Nesta página do Princípe Valente, o herói percorre locais sagrados da Terra Santa, com particular e invulgar destaque, por meio de dispensáveis mas “oportunas” legendas. O mestre desenhador Harold Foster colocou Valente num percurso desde Jerusalém, onde visitou a Igreja do Santo Sepulcro, passando depois pela Torre de David e, entre a Cúpula do Rochedo e Gethsemani, pelo Vale de Cedrón, até ao Mar Morto.
A guerra e a paz, quase se poderia definir assim o conjunto destes dois exemplos soltos vindos da distante América por via d’O Mundo de Aventuras.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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