\ A VOZ PORTALEGRENSE: Jaime Crespo

domingo, janeiro 09, 2011

Jaime Crespo

Leituras: “livro”, José Luís Peixoto
Tal como o autor, também não gosto de ler novidades, isto é, livros que estão na moda, aqueles que vemos toda a gente no comboio a lê-los, ou a fingir que lê.
Gosto de os deixar pousar, que a fama passe e só então me dedicar a saboreá-los por aquilo que realmente são, significam e valem.
Talvez por isso as minhas leituras ainda andem pelo Camilo e Eça. Com alguns Saramagos e Lobo Antunes à mistura.
De tal sorte ser este o primeiro livro de José Luís Peixoto que leio e empurrado para ele por um golpe publicitário da livraria Wook.
Mas em boa hora me deixei levar até ele porque francamente é do melhor que tenho lido de romancistas portugueses.
Desde logo, este "livro", não é um livro, são vários livros formando um só, o livro, a epopeia de quão custoso é ser português.
O livro do amor e da paixão – tal como outros autores, também Peixoto cria e dá vida ao seu par amoroso, os inesquecíveis Ilídio e Adelaide, tal como os verdadeiros pares amorosos, este, igualmente é um amor infeliz. Ilídio filho sem pai e abandonado pela mãe, vem a ser pai sem filho e esposo sem esposa. Adelaide de uma tão grande família como a pobreza que de tão grande não tem lugar para ela, acaba por viver em família tão só como na sua origem. O resto faz o destino e as peripécias da vida, vida inexorável que não permite aos amantes mais que um breve momento de encontro. Par amoroso que confirma a regra "todos os amores felizes são felizes da mesma maneira, os amores infelizes são infelizes no seu modo único e original".
O livro da epopeia da emigração portuguesa – uns em busca de melhores condições de vida, outros para fugir da guerra colonial, alguns correndo atrás da ilusão do amor. Madrasta terra esta que não dá aos seus filhos nem pão, nem paz, nem amor…
O livro do Alentejo "pró fundo" – a vida dificultosa na pequena vilória do Alentejo, julgando pelos traços de escrita de José Luís Peixoto, as casas caiadas, a luz natural, os sobreiros… não andará muito longe para onde hoje é empurrada a vida da mesma vila. Alentejo interior de onde quem manda teima em esquecer e votar ao abandono. Mesmo a retirar o que já havia sido conquistado. É o Alentejo antigo que se mistura com o Alentejo atual em o livro.
O livro da amizade e solidariedade – os laços que ligam a bondade do pedreiro Josué, "pai" necessário de Ilídio, a este e ambos ao infeliz Galopim e até mesmo ao gabarolas Cosme, vão para lá de uma simples amizade, entram no campo da solidariedade, daqueles que dão a vida pela do amigo.
Livro do abandono e da tristeza – há qualquer coisa nas personagens de livro que as faz tristes e dessa tristeza nasce um sentimento de abandono, mais que de solidão, são personagens ensimesmadas, trilhando a sua vida de uma forma de tal modo desamparado que as faz para ali estarem, abandonadas.
Muito podia especular mais e caso quisesse encontrar outros livros no "livro", mas não vale a pena entrar mais por essa via.
Numa navegação (escrita) à vista, José Luís Peixoto ruma o seu barco entre os colossos Lobo Antunes e Saramago, quanto a mim mais rasante a Saramago, encontra, no entanto, o seu próprio mar criativo. E é um mar novo, de águas límpidas, frescas, puras e jovens, aquele que José Luis Peixoto nos oferece ao desfrute.
"Livro", uma obra com lugar já marcado na Literatura portuguesa.
Jaime Crespo