\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, janeiro 21, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

RÉGIO HOJE

IV - JOSÉ RÉGIO, “FADISTA”(parte um)

Não está no rol das minhas intenções ofender a memória de Régio, por quem tenho a maior das admirações. A adjectivação “fadista” deve ser contida no contexto da metáfora alusiva à criação de uma das suas obras poéticas mais conseguidas: Fado.
Aqui fica, portanto, a justa “explicação” do sub-título deste texto...
Acontece que a primeira aparição deste volume (Arménio Amado, Editor, Coimbra) data, precisamente, de 1941. Eis-nos, por isso, na presença de mais uma “redonda” efeméride regiana, com 70 precisos anos, precisos e oportunos anos -acrescente-se!
Na lógica do contexto que a seguir apresentarei, poderá ser esta a mais conseguida e ampla das próximas comemorações regianas, desde que seja rodeada do apoio colectivo que justifica.
É conhecido o projecto nacional, liderado pela Câmara Municipal de Lisboa, de candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade, junto da Unesco. Desde 2005, uma empenhada e competente comissão tem vindo a organizar o complexo processo, ao qual as entidades políticas oficiais parecem conceder o indispensável patrocínio. Obviamente, para quem aqui conheceu o processo da candidatura de Marvão, todas as reservas devem ser postas em campo, na mistura das esperanças com as decepções.
Mas acreditemos nas sérias probabilidades de êxito desta candidatura, tanto pelo permanente empenho colectivo das personalidades envolvidas como pelos argumentos devidamente explorados e inteligentemente organizados. Porém, restará sempre o tal óbice político, nacional e sobretudo internacional, onde insólitos obstáculos negociais poderão entravar os mais legítimos sonhos.
Numa petição pública, patente na Internet, afirma-se: “O fado é uma festa. O fado é, há pelo menos mais de dois séculos, património imaterial nosso. Uma marca cultural constante e permanente que alimenta a alma de um povo. O Povo Português. Todo o Povo Português.”
No dia 30 de Junho do passado ano, numa reunião pública que decorreu no Museu do Fado, foi apresentada e debatida a candidatura. Então, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa declarou que “só com o que já se fez, independentemente dos resultados da candidatura, já houve uma grande conquista para o Fado.” E acrescentaria que, no caso de Lisboa “dois produtos culturais ganharam universalidade: Fernando Pessoa e o Fado.
Voltemos a Régio. O seu Fado constitui uma peça literária única, no panorama nacional, de todos os tempos. Se pesquisarmos exaustivamente a produção cultural desta temática no universo da literatura portuguesa de qualquer época, nada mais encontramos, subscrito por um autor consagrado. Um ou outro título, da autoria de Fialho de Almeida, António Botto, Teófilo Braga, Alberto Pimenta e poucos mais, podem deixar no leitor uma pálida ideia de que o fado foi por eles abordado numa perspectiva literária de primeiro plano. Em vão...
Voltamos sempre a Régio. Quando António Costa fala de “produtos culturais” lisboetas que ganharam universalidade -Fernando Pessoa e o Fado- poderemos, sem qualquer exagero contrapor-lhe José Régio e o Fado. E, assim, falamos de “produtos culturais” portugueses -e não apenas lisboetas- com pleno direito à universalidade. E falamos de “produtos culturais” unidos por uma forte e autêntica ligação patente na obra, como no autor, e assumida por este como tal, em vez duma mera aliança de circunstância, imagem conveniente mas frágil...
Depois, há outros factores que podem ajudar a campanha em marcha, desde que desligada do seu quase exclusivo patrono -a autarquia lisboeta- no contraponto de outras lógicas alianças.
O Fado de Régio inclui três poemas muito especiais, dedicados às “três cidades” do autor: o Romance de Vila do Conde, a Balada de Coimbra e a Toada de Portalegre.
Coimbra é também terra de fados, fados muito particulares é certo, mas fados...
Se unidas num projecto complementar, numa espécie de task force (que me seja desculpado o estrangeirismo, mas pareceu-me adequado!) que possa reforçar internamente e alargar as vivências do fado, creio que as comunidades vilacondense, coninbricense e portalegrense poderiam ajudar os lisboetas no seu meritório afã. E Régio seria, assim, um digno e justo embaixador, ele que, há setenta anos, concedeu à canção nacional o estatuto de maioridade cultural, numa pioneira e esclarecida antecipação aos conceitos hoje tão “actuais”.
Afinal, não estará também aqui a modernidade de Régio, que Eugénio Lisboa há bem pouco nos lembrou?
António Martinó de Azevedo Coutinho