\ A VOZ PORTALEGRENSE: Jorge Luís Lourinho Mangerona

quarta-feira, outubro 13, 2010

Jorge Luís Lourinho Mangerona

Chinesices

Apenas o pequeno comércio, por esse país fora, se tem manifestado contra a concorrência desleal dos comerciantes chineses. Os chineses passaram a fazer parte da “paisagem comercial” da aldeia mais recôndita, no que poderia ser encarado como um toque de cosmopolitismo, não fosse o secretismo e o isolamento dos descendentes de Confúcio e a desconfiança atávica dos portugueses. Tendo abraçado um modelo económico de capitalismo feroz conseguem o “dois em um” ao manterem um partido único, muito pouco flexível no que diz respeito às liberdades e direitos do homem, e um liberalismo económico que não tem paralelo no mundo ocidental. Por muito que custe a alguns, o modelo de desenvolvimento económico chinês assenta em tudo aquilo de que acusam os ultra liberais e que estes não conseguiram, nem conseguirão, impor no ocidente: baixos salários, horários ultra flexíveis, semanas de sete dias e uma ausência total de regulação das leis de trabalho e dos direitos dos trabalhadores. Era de esperar que a nossa esquerda estivesse atenta a estes atropelos mas, quando se trata da China, assobiam para o lado. Aliás não só a esquerda finge que não vê, foi extremamente “enriquecedor” perceber como a comunicação social (não) noticiou o aparecimento de algumas greves na China. Ainda assim, os que noticiaram tal “fenómeno”, tiveram o cuidado de referir que tais greves visaram apenas algumas das multinacionais instaladas na nova potência…Que se saiba não houve greves nas fábricas que produziram leite contaminado e mataram crianças, nas que produzem brinquedos com materiais tóxicos ou ainda nas que produzem todo o tipo de materiais contrafeitos. Afinal o mercado só é maléfico quando se trata de europeus ou americanos. Mas a hipocrisia e o cinismo não têm fronteira nem limites… Se esta distracção em relação ao liberalismo do modelo chinês já é preocupante, o que dizer do total desprezo a que estão votados os direitos humanos e a liberdade e a condescendência do ocidente perante a situação?

É neste contexto que se compreende o comentário do PCP acerca da entrega do Prémio Nobel da Paz a um dissidente chinês considerado como uma provocação. Não obstante termos atingido o século vinte e um, o PCP parece que ainda vive no início do século vinte e ainda não percebeu que acabaram os Goulags e caiu o Muro de Berlim. Claro que não vale a pena lembrar que não consideraram uma provocação a entrega do Nobel a José Saramago, mas acredito que haja muitos militantes que tenham achado “uma provocação” o reconhecimento, por Fidel Castro, da falência do sistema em Cuba. Conhecendo a excelência do trabalho de alguns autarcas do partido, nomeadamente a nível da cultura, faz-me alguma confusão estes retrocessos que me lembram outros tempos… Sendo actualmente um partido tribunício, como alguém já disse, restam ao PCP estas originalidades que podem ser a condenação da entrega do Nobel a um dissidente chinês ou a referência à monarquia ditatorial da Coreia do Norte como exemplo de democracia.
Jorge Luís Lourinho Mangerona