\ A VOZ PORTALEGRENSE: Mário Silva Freire

quinta-feira, setembro 16, 2010

Mário Silva Freire

CRÓNICAS DE EDUCAÇÃO - XIV

A rentré no 1º ciclo do ensino básico

Leio a notícia de que estão a ser distribuídos mais de 250.000 computadores portáteis aos alunos do 1º ciclo do básico, neste início de ano lectivo. Esta distribuição, visando garantir o acesso universal dos alunos do primeiro ciclo a meios informáticos, é considerada pelos nossos governantes como um grande passo na educação das nossas crianças.
Aqui está um preconceito que se torna urgente desmontar: o de que a utilização do computador no 1º ciclo do básico se traduz na melhoria da aprendizagem e que torna as crianças mais aptas a enfrentar e a participar no mundo tecnológico em que estamos mergulhados. Quem assim pensa desconhece, certamente, que é na idade dos 6-12 anos que a criança vai evidenciando, progressivamente, as características lógicas do pensamento, embora este implique mais os objectos tangíveis do que as ideias abstractas.
Por outro lado, o pensamento faz-se a partir de dados que a memória recolheu. Estes dados, mediante operações cognitivas, como a possibilidade de focar simultaneamente duas dimensões ou aspectos do mesmo problema, a conservação (a criança reconhece, por exemplo, que uma bola de argila tem a mesma quantidade de matéria, quando achatada), a reversibilidade (a argila achatada pode voltar à forma de bola), constroem o pensamento lógico. Mas, atenção! essas operações cognitivas actuam sobre os dados que estão presentes na memória.
Além disso, é nesta faixa etária do 1º ciclo do básico que os hábitos vão adquirindo uma maior importância e consistência: hábitos de organização, de trabalho, de planeamento, de higiene, de segurança, etc. Um hábito, no entanto, para se fixar, requer que um dado comportamento seja repetido várias vezes. Mas, uma vez adquirido, ele vai traduzir-se na diminuição da concentração que é necessária para a execução de determinadas tarefas, pois elas far-se-ão quase automaticamente, podendo essa concentração ser dirigida para outras tarefas que requeiram maior atenção.
Ora a aprendizagem resulta, precisamente, da associação entre as operações cognitivas, os dados retidos em memória e a concentração tida durante a referida associação. Surgem-me, então, as seguintes questões: não irá ser o computador (tal como o foi, e continua a ser, a máquina de calcular) um obstáculo à aprendizagem do cálculo? Não tenderá ele a substituir-se à memorização da tabuada de multiplicar e à efectuação manual das operações aritméticas, dificultando, assim, a aquisição de hábitos em que a utilização da memória é factor relevante? Não se tornará ele um obstáculo à aplicação das operações cognitivas? Ora é sabido quanto o conhecimento das operações básicas algébricas são o suporte de todo o ensino matemático que se segue. Não continuaremos a assistir ao insucesso na matemática?
E quanto à aprendizagem da escrita? Pretende-se que o aluno faça a iniciação à escrita através do computador? Então, como é que ele treina e aperfeiçoa a coordenação manual fina a que a escrita à mão o obriga? O computador está munido de corrector ortográfico que, automaticamente, corrige os erros, sem que o aluno disso se aperceba?
Eis algumas das questões que gostaria que fossem abordadas pelos nossos responsáveis da educação em vez de andarem por aí a proclamarem chavões publicitários que nada adiantam.
Mário Freire