Sílvio Lima
João Boavida
Um acaso feliz da vida académica fez-me estar na origem de um livro de Pedro falcão, lançado agora pela Imprensa da Universidade de Coimbra, “Sílvio Lima e o desporto”. O livro resulta de uma investigação de Mestrado e teve a sorte (e o mérito) de descobrir cerca de cem artigos sobre desporto, publicados por Sílvio Lima entre começos de 1939 e finais de 1943, tão esquecidos que deles se tinha perdido notícia e localização. Foram agora editados com uma introdução bastante desenvolvida, de Pedro falcão, e que, juntamente com os livros que Sílvio Lima escreveu sobre o tema (“Ensaios sobre o desporto”, “Desporto, jogo e arte” e “Desportismo profissional – desporto, trabalho e profissão”) nos dá uma visão rica e completa das concepções desportivas.
Fui ainda aluno de Sílvio Lima. A sua carreira académica foi, como se sabe, profundamente prejudicada pelo Antigo regime, como retaliação pelo seu espírito crítico, inteligência fulgurante e extraordinária coragem. E apesar de o ter como professor já no final da carreira, ele foi um mestre de rigor científico, de largueza e profundidade cultural, de erudição adequada, de correcção sintáctica e linguística. Sílvio Lima está entre os mestres que nos ensinavam a pensar, a analisar com rigor, a ser logicamente exigentes e a medir as palavras.
Este livro revela a clareza como pensava e o modo impecável como escrevia. Da novidade dos temas, para a época, ao modo profundo e frontal como abordava os problemas; da dignidade académica que lhes conferia, à importância que reconhecia à matéria desportiva; da capacidade filosófica com que analisava os desportos, à crítica à mentalidade reinante; da variedade dos temas à qualidade e clareza da sua escrita, tudo nele é exemplar.
Muitas das suas ideias sobre o desporto são hoje correntes, mas que não o eram há setenta anos. Como, por exemplo, a sua função educativa e catártica, a força para vencer o medo e a inibição, a fonte de vida e de saúde que representa, a coragem que desenvolve, a beleza, harmonia e libertação que proporciona. Sem esquecer que o jogo e a competição obedecem a regras, valorizando a disciplina, e interacção, o espírito de equipa e a união de forças. Importante também a sua apologia do desporto feminino, sobre o qual reinavam absurdas ideias.
Em suma, um livro da maior actualidade e importância para quem queira pensar o desporto, fazê-lo objecto de reflexão filosófica, livrá-lo da distorção que a actual profissionalização e a mercantilização descabelada lhe provocam. É ainda assim um bom exemplo de como, em plena escuridão política, se pode ser (e se foi) clarividente, moderno e actuante.
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