António Martinó de Azevedo Coutinho
Aconteceu há meses, quando um amigo me passou o CD com um simples dígito inscrito numa das faces. Sem grandes comentários, sugeriu-me que visionasse o seu conteúdo. Sem grande expectativa, cumpri o convite. E gostei.
Depois, repeti a cadeia junto dos meus netos, uma audiência deveras exigente. E gostaram.
O filme chegou agora às nossas salas de cinema e arrisca-se, como muitos outros, a passar despercebido. Chama-se, simplesmente, 9. E tem uma crónica de vida muito curiosa, que resumo.
Um jovem estudante americano de arquitectura, Shane Acker (Illinois, 1971), preferiu seguir uma carreira cinematográfica. Depois de alguns contactos com o universo fílmico, escolheu a animação como a modalidade predilecta para contar as suas histórias. Em 2005 dirigiu e apresentou uma obra, com pouco mais de 10 minutos de duração, intitulada 9 - A Salvação.
O filme foi premiado num Festival, sendo mesmo proposto para os Óscares da especialidade e ganhou assim o direito de ser projectado em circuitos comerciais. Foi aí que o conceituado realizador Tim Burton o viu, ficando entusiasmado com a sua qualidade. Assim, logo propôs a Shane Acker transformar o original argumento numa peça mais elaborada, dando lugar a uma longa metragem de animação gráfica computarizada. Quatro anos de intenso e apaixonante trabalho foram consumidos nesse complexo projecto, até ao resultado final, publicamente estreado nos USA na mítica data de 09-09-09 (9 de Setembro de 2009).
E, agora, 9 acaba de ser apresentado entre nós, sendo neste momento projectado em muitas salas de cinema. Um dia, talvez, vai cá chegar...
O que é, afinal, o filme?
Acontece num indefinido tempo do futuro, numa espécie de mundo paralelo, em ambiente pós-apocalíptico onde a humanidade (!?) está ameaçada. Tudo teria acontecido quando um cientista-feiticeiro inventou poderosas máquinas de guerra que se rebelaram, criando um exército que terá exterminado (!?) a raça humana.
(As minhas ambiguidades interpretativas resultam da deliberada ambiguidade narrativa do argumento...)
O fracassado cientista-feiticeiro, como derradeiro projecto de esperança em improváveis futuros de sobrevivência, limita-se por fim a fabricar, usando uma técnica situada algures entre o vulgar artesanato e a alta tecnologia, uma curta série de pequenos bonecos de serapilheira, precisamente nove, devidamente numerados nas costas. Antes de morrer, o criador insufla nos seus bonecos uma original espécie de alma, ou aura, projectando em cada um deles um sentimento dominante, qual faceta emocional quase humana.
O 1 é um convencido veterano, o líder auto-proclamado; o 2, um velho e simpático inventor, revela-se capaz de transformar qualquer sucata num sofisticado equipamento; os 3 e 4, dois gémeos mudos, comunicam com os outros revelando os pensamentos sob a forma de imagens projectadas; o 5, que perdeu um olho em batalhas anteriores, é curandeiro e mecânico amador; o 6 é o artista do grupo, um impulsivo que cria e interpreta desenhos visionários; a 7, a única “mulher”, assume uma postura guerrilheira, rebelde e solitária; o 8, corpulento e estúpido, manifesta-se como um fiel segurança. Falta o 9, o mais jovem do grupo, que encontrará os restantes em condições dramáticas, num contexto de destruição e de ameaças mortais.
Animado por uma coragem sem limites, enfrenta e vence a contraditória liderança do grupo, e convence este a partir para a ofensiva em vez de fugir. A sobrevivência de todos dependerá dessa audácia, embora aparentemente sem esperanças...
Bravo e leal, o 9 vai portanto lutar contra as máquinas, gigantescas e brutais, tidas como invencíveis. O combate, desigual, vai causar vítimas entre o grupo... e mais não digo!
O filme conta com “interpretações” primorosas, quero dizer, com dobragens das “falas” das personagens, de que se encarregaram alguns nomes sonantes da actual cinematografia, como Elijah Wood, Jennifer Connelly, John Reilly, Crispin Glover, Martin Landau e Chistopher Plummer.
A técnica narrativa é excelentemente servida por designers criadores que dominam na perfeição a arte das imagens informatizadas, e somos por isso brindados com ambientes muito realistas, detalhes de impressionante exactidão, cores e texturas recriadas e aplicadas com mãos de mestre. O deleite visual é acompanhado por uma banda sonora muito cuidada, propositadamente composta por Danny Elfman, um habitual colaborador de Tim Burton.
O filme, uma obra nos domínios um pouco marginais da animação, da fantasia e da ficção científica, foi classificado como impróprio para menores de 13 anos pelas autoridades norte-americanas, que justificaram a sua opção pela violência e pelas imagens assustadoras que impregnam a narrativa. Entre nós, 9 é para maiores de 12 anos.
E a crítica indígena acolheu o filme com natural simpatia, como se pode confirmar pelas páginas dos jornais. Por mim, como amplamente se depreende pela escrita atrás, ele merece de facto ser visto e discutido. Como “aperitivo”, pode ser apreciada uma versão do filme original, o de 2005, no YouTube, pelo endereço:
Do actual 9, aqui, apenas podemos revelar um dos seus trailers, embora não legendado mas ainda assim julgado suficiente para se avaliar a qualidade e o interesse do filme.
António Martinó de Azevedo Coutinho
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