Mário Silva Freire
Ab imo corde
Não achei melhor maneira do que socorrer-me do latim para traduzir essa mágoa. Sou assinante d’O Distrito do Portalegre desde há cerca de 46 anos. Igualmente, folheio os artigos que, ao longo de quase quatro décadas, fui enviando para este jornal. São cerca de uma centena! Por tudo isto foi, pois, do fundo do coração (ab imo corde) que senti a sua extinção ou, na melhor das hipóteses, a suspensão da sua actividade.
Milhares de colaboradores, ao longo dos seus 126 anos, por ali passaram e deixaram os seus anseios e preocupações. As realidades da cidade de Portalegre, do distrito, do país e do mundo em diferentes épocas, vistas pelos olhares daqueles que as viveram, encontram-se retratadas nas páginas do jornal que agora se interrompeu.
Era um jornal de cultura. Quantos dos seus artigos nos falavam do linguajar, dos usos e costumes das terras do nosso Alentejo! Vejam-se as colunas de Alexandre de Carvalho Costa que, entre muitas colaborações, deixou a que se estende desde Outubro de 1967 a Outubro de 1970, em rodapé, em forma de folhetim, sobre cerca de 3000 nomes de pessoas, com as respectivas origens e significações. E a de Maria Tavares Transmontano, ainda presente no último número, com os seus Quadros e Molduras da Vida. Mas muitos outros poderiam ser citados.
Era um jornal de opinião. Recordo os editoriais do Pe. Cabral, director, em que, mediante uma crítica subtil mas eficaz, apontava aquilo que lhe merecia reparo. E a rubrica Vias de Facto do Pe. Patrão onde não se inibia de colocar sob a sua pena os acontecimentos merecedores da sua atenção crítica. E tantos outros que não caberiam nesta página mas que souberam estar atentos aos acontecimentos dos seus tempos.
Era um jornal de informação local e regional e também do desporto. Por ele andava-se a par do que se passava nas nossas terras, na nossa cidade, do pouco e do muito relevante, mas sempre importante, para quem está longe e para quem está perto. Relembro João Trindade e os seus apontamentos sobre o quotidiano da nossa cidade.
Mas era, acima de tudo, uma voz da Igreja diocesana mas, também, da Igreja universal. Quantos dos nossos bispos, padres e leigos puderam ali expor a doutrina da Igreja, interpretar os acontecimentos das diferentes épocas e confrontá-los à luz do Evangelho? Quantas notícias dessa cristandade que esse espalha por todo o mundo tiveram ali lugar e serviram de incentivo para que outros, os que o liam, pudessem ter ensinamentos para as suas vidas? Quantos avisos, notícias, acontecimentos da vida diocesana foram expressos n’O Distrito, servindo de elo para todos os que se sentiam comprometidos com a Igreja? Relembro D. António Marcelino que, com as suas crónicas Do litoral, denunciava práticas menos coerentes com a ética e apontava caminhos de sabedoria. Ele marcou presença no último número.
Eu, estando presente neste, não tive oportunidade já de me despedir dos meus leitores. Aqui fica, se porventura alguns deles me lerem neste espaço, um esperançoso até breve. As grandes dificuldades não significam necessariamente impossibilidades. E para um cristão, a esperança é uma das virtudes que o deverá acompanhar ao longo da sua vida.
Mário Freire
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