\ A VOZ PORTALEGRENSE: Luís Pargana

quarta-feira, maio 19, 2010

Luís Pargana

DESABAFOS XVII
Imposto de isqueiro

Existiu em Portugal um imposto, conhecido como o “imposto de isqueiro”, e que fazia com que qualquer cidadão, para poder utilizar isqueiros em público, tivesse que possuir uma licença nominal, passada por uma repartição de finanças.
Isto significava que um mesmo isqueiro não podia ser utilizado por outra pessoa sem que esta tivesse pago o devido imposto, e se alguém não apresentasse a referida licença ao ser interpelado por um “fiscal de isqueiros” ou por um polícia, sujeitava-se ao pagamento de uma multa de 250 escudos e à apreensão do acendedor.
Este imposto, estabelecido pelo Decreto-lei n.º 28.219, de Novembro de 1937, vigorou até 1970, e ia ao ponto de entregar uma percentagem da multa cobrada, a quem denunciasse eventuais infractores, assim como previa o agravamento desta multa no caso de o “delinquente” ser funcionário do Estado, civil ou militar, ou pertencesse aos corpos administrativos.
Vem esta memória a propósito do plano de austeridade anunciado pelo governo português e pela forma como foi feito.
Ao melhor estilo do Estado Novo, entre a vitória do Benfica e uma visita papal em pleno dia de aparições, o Primeiro-Ministro José Sócrates, secundado pela concordância comprometida de Pedro Passos Coelho, veio anunciar ao País um conjunto de medidas económicas que prometem tornar muito mais difícil a vida dos portugueses.
Num País com pouco mais de 10 milhões de habitantes, onde 20% da população vive abaixo do limiar de pobreza e em que o desemprego ultrapassou já os 10%, o Governo assume a opção de penalizar ainda mais os portugueses que vivem do rendimento do seu trabalho e que pagam os seus impostos, ao mesmo tempo que continua a desobrigar a especulação financeira e os lucros empresariais.
Só assim se compreende o anunciado agravamento da carga fiscal sobre o trabalho, com mais 1% no IRS, e sobre o consumo, com mais 1% no IVA. Este agravamento fiscal, do modo como é feito, significa uma redução efectiva de 2% nos salários dos portugueses, indo provocar um aumento real dos preços dos bens essenciais, como a alimentação e os medicamentos.
Ao mesmo tempo, continuam por tributar as mais-valias da especulação financeira e não se toca nos benefícios fiscais das empresas, que mantém importantes isenções de tributação dos seus lucros.
Facilmente se percebe que as medidas anunciadas, longe de resolver os problemas, vão piorar a qualidade de vida dos portugueses, sobretudo aqueles que vivem do seu trabalho, procurando baixar o défice, como é exigido pelos países mais ricos da Europa, mas sem conter a dívida pública, porque não relançam a economia nem aumentam a capacidade produtiva nacional.
A senhora Merkel, chanceler alemã e, talvez a mulher mais poderosa do Mundo, apressou-se a saudar o plano de austeridade anunciado pelo governo português, omitindo que os trabalhadores portugueses ganham, em média, cerca de metade do que ganham os trabalhadores da zona euro, ao mesmo tempo que os gestores recebem, em média, mais 32% do que os americanos, mais 22,5% do que os franceses, mais 55% do que os finlandeses e mais 56,5% do que os suecos.
Compreende-se a sua satisfação… em nome da moeda única os países ricos impõem as medidas de austeridade que os governos dos países periféricos, como a Grécia, Espanha ou Portugal vêm anunciar, para manterem a capacidade de continuar a recorrer ao crédito dos países mais ricos e de lhes continuarem a comprar os seus produtos.
Pelo menos o “imposto de isqueiro” de 1937 tinha a virtude de incentivar a utilização de fósforos, já que esta era uma indústria nacional, ao contrário da que fabricava os referidos isqueiros. Hoje pagamos impostos e fazemos sacrifícios em nome duma globalização que faz com que os ricos sejam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, sejam países, pessoas ou outra qualquer entidade supranacional ou monetária.
Ou seja, vai repetir-se mais do mesmo, mas agora em ritmo acelerado, para baixar o défice e conter a dívida externa.
18 de Maio de 2010
Luís Pargana