\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, maio 21, 2010

António Martinó de Azevedo Coutinho

Não estive presente no jantar organizado pela Associação Janus - Projecto Cultural no passado dia 15 de Abril, louvável iniciativa de um grupo de cidadãos inconformados com a apatia cultural que se instalou nesta cidade perdida num recanto abandonado do país.
Logo no dia imediato, fui sacudido pela insidiosa campanha local que bem depressa se gerou contra as palavras do bispo de Portalegre, o convidado de honra da cerimónia da véspera. Apenas tive acesso imediato à peça jornalística (!?) que radiofonicamente desencadeou esse movimento, uma vez que não alinho nas confusas redes ditas sociais que a informática gera descontroladamente. Depois, pouco a pouco, foi-nos possibilitado um conhecimento mais factual e desapaixonado do que realmente acontecera, até ter sido distribuído -foi um dos últimos e válidos serviços d’O Distrito de Portalegre- o texto integral do discurso episcopal.
Perante este, quero afirmar que o subscreveria quase na totalidade, apenas dele discordando na aplicação de alguns adjectivos, meros pormenores de estilo pessoal. O essencial dessa sumária visão crítico da vida desta cidade revela -a meu ver- o testemunho realista, corajoso e frontal de uma personalidade atenta, lúcida e interveniente, tanto na forma como no conteúdo.
O texto integral divulgado pel’O Distrito é antecedido por uma Nota Prévia. Aí, acrescentou D. Antonino um legítimo desabafo: “Não disse muito, mas quem ouviu parece que gostou. Quem não ouviu não gostou...” Por mim, não estou assim tão convencido de que todos os que o ouviram -ao vivo e em directo- terão apreciado, e assumo a rigorosa certeza de que, entre os que o não ouviram, há quem tenha gostado e muito. É o meu caso.
Se agora evoco o episódio é porque neste preciso momento me parece particularmente oportuno um dos “capítulos” do memorável discurso, que, com a devida vénia, transcrevo:

GEMINAÇÕES
A cidade de Portalegre está geminada com Vila do Conde, Olivença, Cáceres, S. Vicente (Cabo Verde), Portalegre e Rio Grande do Norte (Brasil) e Salé (Marrocos).
Penso que é importante gerir bem estas geminações e a mobilidade sadia que elas podem e devem provocar.
Um acordo de geminação pressupõe amizade, permuta, promoção cultural e social, e nivelamento por cima, entre as localidades geminadas. Cada uma há-de procurar conhecer melhor a outra. Tem de haver relações culturais e sociais recíprocas, com a mobilidade e a troca de ideias, experiências e saberes. Uma cidade geminada e com tantas localidades como Portalegre, e sempre em aberto para mais, deveria quase responsabilizar alguém dos seus Serviços administrativos para esta dinâmica, consequência da geminação, envolvendo associações, famílias e instituições locais para o intercâmbio de visitas e outras iniciativas promocionais, solidárias e de qualidade.
Se estas geminações não passam do papel, não servirão para muito. Assumidas e desenvolvidas, serão uma mais valia. E Portalegre tem pessoas nas mais variadas áreas do saber e da cultura que muito poderão ajudar a promover essas geminações.

Não é muito frequente um testemunho público deste tipo, revelador de uma sensibilidade culta e rara, na atribuição a um Protocolo de Geminação da sua autêntica importância social e cultural, como factor de fraternidade, de progresso e de intercâmbio de experiências e de saberes, aptos a enriquecer e a abrir em comunhão os caminhos do Futuro.
Portalegre faz agora anos e, a pretexto dum aniversário, é normal juntar nos festejos alusivos os irmãos e os amigos. Muito mais de que avaliar os meros pormenores da comemoração, será importante saber se os nossos irmãos -como tal jurados em solenes compromissos que temos obrigação de honrar- foram instados a partilhar connosco a festa.
É esta a mais adequada oportunidade para confraternizar com vilacondenses, espanhóis, caboverdianos, brasileiros e marroquinos. Perdê-la significará, uma vez mais, que um protocolo da geminação é para a Câmara Municipal de Portalegre apenas um papel sem qualquer valor, assim confirmando a aflitiva falta de sensibilidade e de inteligência que vem sendo timbre crescente da nossa autarquia.
De pouco terá servido o atempado e lúcido recado de D. Antonino se estas festas confirmarem, como receio, mais uma grosseira deselegância oficial.
Como poderemos aspirar a que germine entre nós alguma esperança nas sementes do Futuro se, para além do debilitado corpo desta Cidade, até o seu espírito for desprezado?
António Martinó de Azevedo Coutinho