Crónica de Nenhures
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No ano de 1948, a terça-feira de Carnaval foi a 10 de Fevereiro.
Antes, a 7 de Fevereiro, o semanário «O Distrito de Portalegre» trás na sua primeira página um texto intitulado “Ironia do Carnaval” assinado com as iniciais M.L., no qual se faz uma duríssima crítica à época carnavalesca.
Começa assim: _ A quadra carnavalesca, de confusa e sombria origem, tem o triste privilégio de suspender, por momentos, o juízo dos homens, e de converter muitos cantos do mundo em perfeitos manicómios. E todo ele é um chorrilho de acusações ao tempo que se avizinhava, terminando desta conclusiva forma: _ Mesmo sendo o sentimento dominante do homem, o egoísmo feroz, indiferente a tudo o que não seja o seu próprio bem, mais uma vez o carnaval será uma ironia à fraternidade que alardoam esses mesmos que a propagam. Para mal deles e desonra da nossa condição, o confessamos.
Antecipando a data, quer «A Voz Portalegrense», quer «A Rabeca», limita-se o primeiro a nada dizer, enquanto o segundo apenas refere na edição de dia 4 de Fevereiro que haverá tolerância de ponto para o dia 10.
O certo é que os três jornais de Portalegre não se publicarão na semana do Carnaval, argumentando «O Distrito de Portalegre» ‘problemas técnicos’, enquanto os outros assumem ser devido à época.
Mas em 1948 houve festejos, que estiveram a cargo dos alunos do Liceu Mouzinho da Silveira. Estes realizaram um desfile, que tempos antes publicitaram por intermédio do folheto impresso, no qual apelavam à ‘solidariedade’ dos portalegrenses, contribuindo com a sua comparência.
Dos ecos desse acontecimento, apenas «A Voz Portalegrense» e «A Rabeca» deram eco.
Na primeira página da edição de 21 de Fevereiro, com o título “Ecos do Carnaval”, «A Voz Portalegrense» escreve: _ A única nota de interesse do Carnaval deste ano foi o cortejo académico.
A população movimentou-se e os rapazes apresentaram-se bem, embora, no início do desfile, com o aspecto pouco vibrante de quem se diverte espontânea e naturalmente mais por necessidade do que por simples exibição.
Também na primeira página, «A Rabeca» titula “O Entrudo” e escreve em 18 de Fevereiro: _ Tentou-se animar o Entrudo em Portalegre com a realização de um cortejo carnavalesco da academia do Liceu, que despertou grande interesse na população, que em grande número acorreu a presenciá-lo.
Simplesmente o entusiasmo faltou aos académicos, que não souberam dar à interessante realização a animação, a vida, o entusiasmo que caracteriza as manifestações académicas, outrora tão repletas de bom humor.
É que os rapazes, actualmente, só conhecem as manifestações de entusiasmo nos espectáculos desportivos, por vezes desordenadas e assaz ruidosas.
E assim as outras realizações resultam muito menos interessantes e notáveis do que era dantes, quando as academias eram mais alegres e comunicativas.
Não deixa de ser uma evidência que o festejo do Carnaval em Portalegre nunca teve relevância, ao contrário de em outras terras do distrito como em Castelo de Vide e em Elvas, entre outras.
Todavia, mesmo assim, José Régio não deixa de falar de um ‘assalto de Carnaval’ na sua novela “Davam grandes passeios aos domingos”.
Começa justamente o quarto capítulo da novela assim: _ Ora dia memorável para Rosa Maria [a protagonista], foi o assalto de segunda de Entrudo à casa da Serra. E termina com a declaração de amor de Fernando, seu primo, o beijo e o desespero: _ Subitamente, como numa fúria, ele agarrou pela cinta, puxando-lhe todo o corpo contra o seu. A sua boca mergulhou sôfrega e brutal nesse colo de estátua, enquanto as suas mãos crispadas, ousando cada vez mais, lhe amarrotavam o lindo vestido azul pálido, com florinhas cor de oiro, enfeitado a franzidos duma larga fita de seda marfim velho… Então o colo da estátua tumultuou numa espécie de estertor; ela gritou com a voz abafada «largue-me! largue-me!», soluçando sem propriamente chorar; e Fernando, assustado, afroixou a compressão dos braços, vendo muito perto dos seus uns olhos de louca. Rosa Maria repeliu-o, fincando-lhe raivosamente as mãos nos ombros, e fugiu sem pensar em apanhar a bela capa de tia Vitória, com reflexos marmoreados.
Em Portalegre poderia ser assim o Carnaval.
Antes, a 7 de Fevereiro, o semanário «O Distrito de Portalegre» trás na sua primeira página um texto intitulado “Ironia do Carnaval” assinado com as iniciais M.L., no qual se faz uma duríssima crítica à época carnavalesca.
Começa assim: _ A quadra carnavalesca, de confusa e sombria origem, tem o triste privilégio de suspender, por momentos, o juízo dos homens, e de converter muitos cantos do mundo em perfeitos manicómios. E todo ele é um chorrilho de acusações ao tempo que se avizinhava, terminando desta conclusiva forma: _ Mesmo sendo o sentimento dominante do homem, o egoísmo feroz, indiferente a tudo o que não seja o seu próprio bem, mais uma vez o carnaval será uma ironia à fraternidade que alardoam esses mesmos que a propagam. Para mal deles e desonra da nossa condição, o confessamos.
Antecipando a data, quer «A Voz Portalegrense», quer «A Rabeca», limita-se o primeiro a nada dizer, enquanto o segundo apenas refere na edição de dia 4 de Fevereiro que haverá tolerância de ponto para o dia 10.
O certo é que os três jornais de Portalegre não se publicarão na semana do Carnaval, argumentando «O Distrito de Portalegre» ‘problemas técnicos’, enquanto os outros assumem ser devido à época.
Mas em 1948 houve festejos, que estiveram a cargo dos alunos do Liceu Mouzinho da Silveira. Estes realizaram um desfile, que tempos antes publicitaram por intermédio do folheto impresso, no qual apelavam à ‘solidariedade’ dos portalegrenses, contribuindo com a sua comparência.
Dos ecos desse acontecimento, apenas «A Voz Portalegrense» e «A Rabeca» deram eco.
Na primeira página da edição de 21 de Fevereiro, com o título “Ecos do Carnaval”, «A Voz Portalegrense» escreve: _ A única nota de interesse do Carnaval deste ano foi o cortejo académico.
A população movimentou-se e os rapazes apresentaram-se bem, embora, no início do desfile, com o aspecto pouco vibrante de quem se diverte espontânea e naturalmente mais por necessidade do que por simples exibição.
Também na primeira página, «A Rabeca» titula “O Entrudo” e escreve em 18 de Fevereiro: _ Tentou-se animar o Entrudo em Portalegre com a realização de um cortejo carnavalesco da academia do Liceu, que despertou grande interesse na população, que em grande número acorreu a presenciá-lo.
Simplesmente o entusiasmo faltou aos académicos, que não souberam dar à interessante realização a animação, a vida, o entusiasmo que caracteriza as manifestações académicas, outrora tão repletas de bom humor.
É que os rapazes, actualmente, só conhecem as manifestações de entusiasmo nos espectáculos desportivos, por vezes desordenadas e assaz ruidosas.
E assim as outras realizações resultam muito menos interessantes e notáveis do que era dantes, quando as academias eram mais alegres e comunicativas.
Não deixa de ser uma evidência que o festejo do Carnaval em Portalegre nunca teve relevância, ao contrário de em outras terras do distrito como em Castelo de Vide e em Elvas, entre outras.
Todavia, mesmo assim, José Régio não deixa de falar de um ‘assalto de Carnaval’ na sua novela “Davam grandes passeios aos domingos”.
Começa justamente o quarto capítulo da novela assim: _ Ora dia memorável para Rosa Maria [a protagonista], foi o assalto de segunda de Entrudo à casa da Serra. E termina com a declaração de amor de Fernando, seu primo, o beijo e o desespero: _ Subitamente, como numa fúria, ele agarrou pela cinta, puxando-lhe todo o corpo contra o seu. A sua boca mergulhou sôfrega e brutal nesse colo de estátua, enquanto as suas mãos crispadas, ousando cada vez mais, lhe amarrotavam o lindo vestido azul pálido, com florinhas cor de oiro, enfeitado a franzidos duma larga fita de seda marfim velho… Então o colo da estátua tumultuou numa espécie de estertor; ela gritou com a voz abafada «largue-me! largue-me!», soluçando sem propriamente chorar; e Fernando, assustado, afroixou a compressão dos braços, vendo muito perto dos seus uns olhos de louca. Rosa Maria repeliu-o, fincando-lhe raivosamente as mãos nos ombros, e fugiu sem pensar em apanhar a bela capa de tia Vitória, com reflexos marmoreados.
Em Portalegre poderia ser assim o Carnaval.
Mário Casa Nova Martins
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