Cinema
Prazer, disseram elas
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Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, ‘Os Anjos Exterminadores’, de Jean-Claude Brisseau, é uma história de um realizador que sofre as consequências da vingança das actrizes com as quais encenou e filmou cenas eróticas. Brisseau viveu um caso semelhante após ter rodado ‘Coisas Secretas’, mas disse ao DN que o novo filme deve mais à ficção do que à realidade.
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Eurico de Barros
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O realizador inglês John Glen, autor de vários filmes de James Bond, disse numa entrevista que lhe fiz nos anos 90 que as cenas que menos gostava de rodar não eram as de acção. Eram as de cama. “Qualquer realizador minimamente profissional lhe dirá que filmar cenas de sexo é do mais trabalhoso e exasperante que há”, desabafou Glen.
O cinema do francês Jean-Claude Brisseau está nos antípodas dos filmes de 007, mas a opinião deste “autor” coincide com a do seu colega “industrial”. Falando ao telefone com o DN, disse Brisseau, do qual está em exibição Os Anjos Exterminadores, sobre um dos momentos mais eroticamente intensos da fita, um trio lésbico: “A sequência de sexo entre as três raparigas no hotel demorou umas sete ou oito horas a filmar, deixou-me totalmente exausto. O sexo é das coisas mais morosas e complicadas de encenar em cinema”.
O sexo é também um dos temas recorrentes dos filmes de Brisseau, e acabou por o meter em maus lençóis. Duas das jovens actrizes do seu filme anterior. Coisas Secretas (2002), processaram-no por alegado assédio sexual durante o casting, e Brisseau viu-se às voltas com a polícia e a justiça. Em 2005, foi condenado a um ano de prisão por pena suspensa e a 15 mil euros de multa, mas Os Anjos Exterminadores não ficou comprometido.
O filme é parte fantasia onanística-voyeurista com fumos intélio e algum sentido de humor, parte histórica fantástica em cenário quotidiano com piscadelas a Buñuel e Cocteau, parte aviso à navegação sobre as formas temíveis de vingança que o ressentimento feminino pode tomar. Levado pelo seu fascínio pelas maneiras de sentir prazer das mulheres, o realizador, interpretado por Frédéric Van Den Driessche, vai buscar lã erótica nova e acaba violentamente tosquiado.
Compreensivelmente, Brisseau está farto que lhe façam perguntas sobre o paralelismo entre o que lhe aconteceu e o enredo de Os Anjos Exterminadores – um realizador faz um casting sobre um filme sobre o desejo feminino, escolhe três jovens desconhecidas, duas vielas viram-se mais tarde contra ele e acaba agredido por encapuzados -, e fica incomodado quando se lhe fala nas óbvias semelhanças entre Os Anjos Exterminadores e a sua experiência pessoal. Mas admite que é inevitável que haja “pontos de contacto” entre a realidade e esta nova ficção, embora não se case de sublinhar que “a personagem do realizador sou eu só a 20 ou 30 por cento, o resto é ficção. Aliás, todos os filmes que fiz até agora têm algo de mim, incluem elementos pessoais, e Anjos Exterminadores tem-nos tanto como qualquer outro dos anteriores”. O projecto já estava adiantado quando o cineasta foi contactado pela polícia pela primeira vez, e Brisseau frisa que não se trata aqui de um “ajuste de contas”, embora haja uma componente “de documento”.
O realizador prefere falar do título do filme, que remete para “o seu lado de tragédia grega e de surreal, de fantástico, à maneira dos filmes de Cocteau. É claro que a referência a Bunuel - que muito admiro - é óbvia, tal como na aparição do fantasma da avó do cineasta, que intercede por ele. Mas trata-se de uma citação da Bíblia, antes de tudo”.
O sexo volta de novo à baila. Brisseau diz que as mulheres às vezes manejam a sua sexualidade como se fosse uma arma, e define a sociedade contemporânea como sofrendo de “uma duplicidade esquizofrénica em relação ao sexo. Por um lado, há sexo por toda a parte, da televisão aos quiosques e à Internet, acessível a todos, e pelo outro, há os interditos puritanos. Posso dizer-lhe que em França, no meio jurídico - e sei-o da boca de pessoas ligadas a ele -, o sexo é hoje um dos grandes tabus. E não só. Há salas de cinema da província que sofrem pressões dos presidentes de câmara para não passarem certos filmes. E alguns desses presidentes de câmara são socialistas. Os Anjos Exterminadores foi prejudicado por pessoas assim. Na televisão, só passou na cadeia codificada Cine-Cinema, até o Canal + recusou exibi-lo”.
Apesar de se definir como “um autor” que faz filmes “com espírito independente”, orçamentos controlados e por vezes de forma semi-improvisada (Os Anjos Exterminadores foi rodado em apenas 24 dias), Jean-Claude Brisseau não desdenha trabalhar com actores conhecidos, nem fazer cinema “de género” se os projectos lhe agradarem. “Se eu tivesse rodado Os Anjos Exterminadores com celebridades, o filme teria beneficiado imenso em termos de projecção e de publicidade. A publicidade é fundamental à boa difusão dos filmes. Quando fui ao Japão apresentar Coisas Secretas, acabei por ser eu a aparecer na capa da Elle japonesa, porque os actores não eram conhecidos. E já tive oportunidade de fazer dois filmes de grande orçamento que me agradavam muito, um deles com um produtor muito considerado, mas acabaram por não se concretizar. Não, não tenho nada contra esse tipo de cinema.
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Eurico de Barros
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O realizador inglês John Glen, autor de vários filmes de James Bond, disse numa entrevista que lhe fiz nos anos 90 que as cenas que menos gostava de rodar não eram as de acção. Eram as de cama. “Qualquer realizador minimamente profissional lhe dirá que filmar cenas de sexo é do mais trabalhoso e exasperante que há”, desabafou Glen.
O cinema do francês Jean-Claude Brisseau está nos antípodas dos filmes de 007, mas a opinião deste “autor” coincide com a do seu colega “industrial”. Falando ao telefone com o DN, disse Brisseau, do qual está em exibição Os Anjos Exterminadores, sobre um dos momentos mais eroticamente intensos da fita, um trio lésbico: “A sequência de sexo entre as três raparigas no hotel demorou umas sete ou oito horas a filmar, deixou-me totalmente exausto. O sexo é das coisas mais morosas e complicadas de encenar em cinema”.
O sexo é também um dos temas recorrentes dos filmes de Brisseau, e acabou por o meter em maus lençóis. Duas das jovens actrizes do seu filme anterior. Coisas Secretas (2002), processaram-no por alegado assédio sexual durante o casting, e Brisseau viu-se às voltas com a polícia e a justiça. Em 2005, foi condenado a um ano de prisão por pena suspensa e a 15 mil euros de multa, mas Os Anjos Exterminadores não ficou comprometido.
O filme é parte fantasia onanística-voyeurista com fumos intélio e algum sentido de humor, parte histórica fantástica em cenário quotidiano com piscadelas a Buñuel e Cocteau, parte aviso à navegação sobre as formas temíveis de vingança que o ressentimento feminino pode tomar. Levado pelo seu fascínio pelas maneiras de sentir prazer das mulheres, o realizador, interpretado por Frédéric Van Den Driessche, vai buscar lã erótica nova e acaba violentamente tosquiado.
Compreensivelmente, Brisseau está farto que lhe façam perguntas sobre o paralelismo entre o que lhe aconteceu e o enredo de Os Anjos Exterminadores – um realizador faz um casting sobre um filme sobre o desejo feminino, escolhe três jovens desconhecidas, duas vielas viram-se mais tarde contra ele e acaba agredido por encapuzados -, e fica incomodado quando se lhe fala nas óbvias semelhanças entre Os Anjos Exterminadores e a sua experiência pessoal. Mas admite que é inevitável que haja “pontos de contacto” entre a realidade e esta nova ficção, embora não se case de sublinhar que “a personagem do realizador sou eu só a 20 ou 30 por cento, o resto é ficção. Aliás, todos os filmes que fiz até agora têm algo de mim, incluem elementos pessoais, e Anjos Exterminadores tem-nos tanto como qualquer outro dos anteriores”. O projecto já estava adiantado quando o cineasta foi contactado pela polícia pela primeira vez, e Brisseau frisa que não se trata aqui de um “ajuste de contas”, embora haja uma componente “de documento”.
O realizador prefere falar do título do filme, que remete para “o seu lado de tragédia grega e de surreal, de fantástico, à maneira dos filmes de Cocteau. É claro que a referência a Bunuel - que muito admiro - é óbvia, tal como na aparição do fantasma da avó do cineasta, que intercede por ele. Mas trata-se de uma citação da Bíblia, antes de tudo”.
O sexo volta de novo à baila. Brisseau diz que as mulheres às vezes manejam a sua sexualidade como se fosse uma arma, e define a sociedade contemporânea como sofrendo de “uma duplicidade esquizofrénica em relação ao sexo. Por um lado, há sexo por toda a parte, da televisão aos quiosques e à Internet, acessível a todos, e pelo outro, há os interditos puritanos. Posso dizer-lhe que em França, no meio jurídico - e sei-o da boca de pessoas ligadas a ele -, o sexo é hoje um dos grandes tabus. E não só. Há salas de cinema da província que sofrem pressões dos presidentes de câmara para não passarem certos filmes. E alguns desses presidentes de câmara são socialistas. Os Anjos Exterminadores foi prejudicado por pessoas assim. Na televisão, só passou na cadeia codificada Cine-Cinema, até o Canal + recusou exibi-lo”.
Apesar de se definir como “um autor” que faz filmes “com espírito independente”, orçamentos controlados e por vezes de forma semi-improvisada (Os Anjos Exterminadores foi rodado em apenas 24 dias), Jean-Claude Brisseau não desdenha trabalhar com actores conhecidos, nem fazer cinema “de género” se os projectos lhe agradarem. “Se eu tivesse rodado Os Anjos Exterminadores com celebridades, o filme teria beneficiado imenso em termos de projecção e de publicidade. A publicidade é fundamental à boa difusão dos filmes. Quando fui ao Japão apresentar Coisas Secretas, acabei por ser eu a aparecer na capa da Elle japonesa, porque os actores não eram conhecidos. E já tive oportunidade de fazer dois filmes de grande orçamento que me agradavam muito, um deles com um produtor muito considerado, mas acabaram por não se concretizar. Não, não tenho nada contra esse tipo de cinema.
in, 6.ª DIÁRIO DE NOTÍCIAS – IMAGENS 10,11
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