\ A VOZ PORTALEGRENSE: Luís Filipe Meira

quarta-feira, janeiro 09, 2013

Luís Filipe Meira

Os Sons de 2012
 
III - A Música Popular Como Arte Intergeracional e Global

A música popular ou, se preferirem, o pop/rock e seus derivados globalizou-se ainda mais cedo e de forma mais consistente que a própria economia. Hoje, a juventude brasileira ouve exatamente as mesmas coisas que os jovens japoneses, sul-africanos ou australianos. Mesmo em países onde os direitos humanos são espezinhados como o Irão, Cuba ou a Venezuela, há caves secretas onde a juventude vive de forma empolgada o som da melhor música oriunda de Londres ou de Nova Iorque. O filme de 2009 do iraniano Bahman Ghobadi, “ Ninguém Sabe dos Gatos Persas” mostra a realidade clandestina de uma banda de rock iraniana que tendo sido convidada para atuar no estrangeiro, luta diariamente para encontrar locais secretos para ensaiar ou para arranjar dinheiro para os passaportes, vistos e licenças. A bizarra democracia russa - onde o ator Gerard Depardieu pediu asilo político, para poder contar os seus milhões sem pagar impostos – liderada pelo novo czar Vladimir Putin também resolveu entrar nestes jogos de censura e perseguições atirando para as masmorras, depois de um julgamento ao melhor estilo soviético, três membros do grupo punk Pussy Riot.
O pop/rock e seus derivados estão por todo o lado e acabam por ser uma forma de aproximação entre a juventude de todo o mundo, contribuindo de forma decisiva, para que a música se torne uma arte perfeitamente global. Os festivais de world music como o FMM Sines ou o Festival Med em Loulé misturam músicos, músicas e tradições das partes mais recônditas do planeta. Gangnam Style o vídeo dançante do sul coreano Psy é a estrela maior do YouTube tendo ultrapassado os 803 milhões de visitas, destronando assim Justin Bieber, o quebra corações de adolescentes, que era o detentor do vídeo com maior audiência. E que dizer do fenómeno “ Ai se eu te Pego”?
A música, à boleia da net, globalizou-se estrondosamente. Qualquer canção, qualquer grupo fica à distância de um click.
Mas a música popular, como eu lhe prefiro chamar, tem um outro contributo inestimável, pois ao longo das últimas décadas tem ajudado sobremaneira a esbater o chamado generation gap. Esse fosso ou conflito de gerações que marca a humanidade há séculos é menor hoje, porque a música tornou-se um ponto de confluência entre gerações. O Optimus Alive, o Sudoeste, o FMM Sines ou o Rock in Rio, falando apenas em Portugal, são eventos transversais a diversas gerações. Avós, pais, filhos e netos vão aos concertos ou festivais em família para partilhar a fruição de um prazer que lhes é comum.
E se neste texto venho realçando a intergeracionalidade da música terei que obrigatoriamente falar dos Rolling Stones, banda que cumpriu em 2012, meio século em atividade permanente e cuja música encarna o espírito do rock´n´roll. Rock´n´roll que é a força motriz que vem alimentando a música popular há quase sessenta anos. Os Stones que para celebrar os 50 anos de atividade lançaram em 2012, a coletânea “GRRR”, cuja edição normal reúne 48 temas históricos mais dois inéditos. No entanto e se é um colecionador abonado tem disponíveis duas box-set cheias de extras, 40 eur a mais em conta, 120 eur a mais cara.
Arrumada a questão da globalização e da intergeracionalidade da música, passaria aos discos que ouvi e gostei em 2012. Ano que, como referi em texto anterior, foi um bom ano, não um ano excecional, pois não poderemos dizer que tenha havido uma obra marcante, mas houve bons discos e para todos os gostos.
Nos diversos balanços feitos pelas revistas e sites da especialidade houve dois nomes da jovem música negra muito citados e com trabalhos muito interessantes, “Channel Orange” de Frank Ocean numa linha mais clássica, mais R&B e “Good Kid,m.A.A.d. City” de Kendrick Lamar numa linha rap old school. Mas no que respeita à música negra, o meu disco em 2012 chama-se “Awe Natural” das norte americanas THEESsatisfaction, uma verdadeira mistura gourmet de influências diversas.
Com a música negra no radar mas com uma base de rock mais cru e de matriz norte americana, destacaria os álbuns “Boys & Girls” dos Alabama Shakes, “Blunderbuss” de Jack White e “Blues Funeral” de Mark Lanegan.
Pesados quanto baste, os australianos Tame Impala apresentaram “Lonerism” numa linha psicadélica com raízes nos idos anos 60 e 70 do séc. passado e os norte-americanos Cloud Nothings trouxeram-nos “Attack on Memory”, um ótimo disco de rock indie que mereceu também alguns elogios nos vários balanços de final do ano.
Eu não gostaria de estender muito mais esta lista de referências, no entanto e como dizia atrás, a música está ao alcance de um click. Passaram pelas minhas colunas mais de centena e meia de álbuns produzidos ao longo do ano, dos quais haverá vinte, trinta, quarenta, bem bons e dez, quinze ou vinte muito bons ou excelentes. Mas o momento da audição é marcante, e não sei se, com a continuação das audições, daqui a umas semanas a lista seria exatamente a mesma. Portanto e se chegou até aqui, tome como boa esta lista de dez discos com propostas muito diversas e diversificadas. São várias as pistas que lanço, disfrute-as e deixe, como diria Kevin Parker, que a música o afete, afinal as principais características da música pop não são a inocência, a emoção e a pureza?
Alt- J – An Awesome Wave
Amadou & Mariam – Folila
Bill Faye – Life is People
David Byrne & St. Vincent – Love This Giant
Django Django – Django Django
Efterklang – Piramida
Lambchop – Mr. M
Neneh Cherry & The Thing – The Cherry Thing
XX – Coexist
Tindersticks – The Something Rain
 
PS – Confesso que não sou, nem nunca fui, grande entusiasta de concertos de sofá. No cinema a coisa muda um pouco de figura, ainda assim prefiro a audição ou a participação na festa. De qualquer forma esta minha posição tem algumas e honrosas exceções. “Shut Up and Play The Hits” é uma dessas exceções, editado em 2012 e gravado no Madison Square Garden de Nova York em 2 de Abril de 2011, regista o último concerto dos LCD Soundsystem. A banda de James Murphy é, na minha opinião, uma das mais importantes destes primeiros anos do séc. 21 e herdeira legítima em muitos aspetos dos Talking Heads de David Byrne. Terminaram porque Murphy achou que era tempo. Estava no seu direito, mas deixou saudades, apesar deste DVD ser um bom consolo.
Luís Filipe Meira