Luís Filipe Meira
Os Sons
2012
.
II - A Alma Lusitana
.
Portugal
vive uma das piores crises da sua história. Os portugueses andam tristes,
deprimidos, descrentes e sentem-se impotentes para inverter o rumo que o país
leva. A catástrofe em 2013 parece mais uma inevitabilidade que um cenário. A
insensibilidade cultural dos políticos é proverbial. Num país em crise
económica, financeira e social, a cultura é o primeiro alvo a abater. Este
governo nunca teve política cultural e ainda hoje estou para perceber qual a
razão que terá levado Francisco José Viegas - um homem de e da cultura - a
aceitar desempenhar um papel menor e todos dias desvalorizado, como foi e é, o
de secretário de estado da cultura. A sua saída de funções por razões de saúde,
terá sido, apesar de tudo, um imenso alívio. Curiosamente, os agentes culturais
estiveram em 2012 bastante ativos tendo, aqui e ali, atingido momentos de
grande fulgor e criatividade. Ainda na semana passada, o “ Atual”, suplemento
cultural do “ Expresso”, a propósito dos 40 anos do jornal, fez um levantamento
sobre o futuro da cultura portuguesa, apresentando 40 talentos com menos de 40
anos, que serão certamente nos anos vindouros, referências culturais nos mais
variados campos de intervenção ligados às artes e à criatividade.
Mas
o que me traz aqui é a música. A música que se fez em Portugal em 2012.Música
portuguesa, na minha opinião, é toda aquela que é feita por portugueses, tenha
ela as influências que tiver, seja ela interpretada em que língua for. O
produto musical português atingiu, no ano que agora terminou, índices de
qualidade assinaláveis. Teve também algumas polémicas estéreis, se bem que
limitadas a tertúlias ou às redes sociais. Será sobre isso, para além da minha
lista de preferências, que me irei pronunciar nas linhas que se seguem.
A
primeira polémica surgiu em Agosto durante o festival bienal Bons Sons que ocorre em Cem Soldos, pequena aldeia perto de
Tomar, que fecha literalmente as portas e durante 4 dias promove a música
portuguesa em praticamente todas as suas vertentes. Vitorino, artista
convidado, deu uma entrevista ao um jornal local tomando posição contra os
portugueses que faziam música noutras línguas. Paulo Furtado, “The Legendary Tiger Man” e também líder dos WrayGunn, que privilegiam o inglês nas
suas canções, respondeu-lhe à letra, tendo a polémica saltado para as páginas on-line do Blitz, com centenas de posts.
Os protagonistas chegaram a encontrar-se para um frente a frente na FNAC do
Chiado, mas, como se esperava, a coisa terminou sem vencedores, nem vencidos, prevalecendo
a opinião de cada um.
A
segunda polémica foi ainda mais restrita, aconteceu na página do facebook do músico Carlos Barreto. O
motivo foi o disco que Maria João Pires gravou com Carlos do Carmo. Barreto
ouviu um tema na rádio, não gostou e pediu a opinião da sua comunidade de
amigos. Os amigos responderam, democraticamente, ao desafio, manifestando
legitimamente a sua opinião favorável ou desfavorável. Mas o que me causou
alguma perplexidade foi a facilidade com que músicos se pronunciam sobre o
trabalho de colegas sem, e isso foi notório, conhecerem profundamente o objeto
em análise ou os seus pressupostos ou, de uma forma absurda, compararem este
disco com o registo de Carlos com Bernardo Sassetti em 2010. Pressupostos que,
no caso em apreço, passaram por uma manifestação do desejo de Maria João Pires
em gravar com Carlos do Carmo, este, aceitou o desafio e convidou o maestro
António Vitorino de Almeida para compor nove fados para virem a fazer,
posteriormente, parte do seu reportório habitual. Ora, convenhamos, que um
fadista a cantar fados com textos literários, compostos por um compositor de
estrutura clássica, acompanhado por uma pianista e concertista clássica, não
deve ser a coisa mais fácil do mundo. Não foi, nem podia ser e dali, saiu mais
uma experiência curiosa que um grande disco. Como alguém escreveu, as partes
valem mais, individualmente, que a sua soma. Louve-se no entanto a coragem, que
estes três músicos consagrados tiveram em arriscar, afinal não tinham nenhuma
necessidade de o fazer. E o caso vertente remete-me para outras experiências,
mais ou menos falhadas, como ”Dialogues”
que resultou do encontro de Carlos Paredes e Charlie Haden em Janeiro de 90 em Paris, no Studio Acusti. Em 1973, Amália, em grande forma, juntou-se ao
saxofonista norte-americano, Don Byas
para registarem “ Encontro”. Amália atingiu o brilhantismo, enquanto o
respeitado e magnífico Byas nunca
conseguiu deixar de parecer um corpo estranho atrás da música cristalina de
Amália e dos seus músicos. O grande Don
Byas nunca se adaptou às circunstâncias. São exemplos de encontros contra natura cujo principal interesse
assenta na importância da experiência em juntar talentos inegáveis mas de
sensibilidades visceralmente diferentes.
Antes
de entrar no meu top 10, gostaria ainda de fazer uma breve referência ao
regresso aos discos de Rui Veloso. Já nesta página dei conta das fragilidades e
incongruências que “ Rui Veloso & Amigos” apresenta, chamei-lhe mesmo
“Testamento Vital”. Veloso convidou, com pompa e circunstância, meia centena de
amigos para o ajudarem a gravar na pedra o regresso a estúdio, sete anos
depois, com um disco que deveria ter a solenidade de um “comeback” triunfal. Afinal
a colheita apesar do sofisticado tratamento, só deu parra… uvas nem vê-las,
algumas passas…sim, mas não mais que isso.
Para
concluir, apresentaria por ordem alfabética o meu top 5, mais cinco outros
discos que têm vindo a passar pelo meu leitor com assiduidade Os comentários
sobre os Sons/012, vertente Alma Lusitana estão mais ou menos
feitos. A lista que se segue é formada por dez discos de que eu gosto imenso,
foi elaborada por estes dias. Quem sabe se fosse amanhã, não seria diferente…
Ana
Moura / Desfado
- Do Bairro Alto para o Mundo sem perder as raízes de vista.
B.
Fachada/ Criôlo –
A mistura mais que perfeita da canção portuguesa de autor com os ritmos da
lusofonia numa perspetiva séc. 21.
Carminho/
Alma - A
mais pura tradição fadista revista e adaptada a este tempo pela alma e talento
de uma jovem habitante consciente da aldeia global.
Norberto
Lobo/Mel Azul –
Gonçalo Frota escrevia no ípsilon, a propósito deste Mel Azul; “Ao quarto disco a solo, terceira obra-prima (…). Eu não iria tão longe, mas
percebo perfeitamente aonde Frota quer chegar e os ouvintes de Mel Azul ou dos
discos anteriores de Norberto Lobo, também o percebem.
O
Experimentar/ Sagrado e Profano
– Aqui está um disco para cuja audição parti com grandes expetativas devido às
entusiásticas recensões. Está aqui o melhor da música popular portuguesa,
passado por uma infinidade de crivos. Mas vou necessitar de muito mais audições
para lhe conseguir atingir o âmago.
Para
rematar, que a coisa já vai longa, deixo mais cinco pistas que valem a pena, outras
poderia deixar, mas parece-me que já ficam bem servidos.
Cais do Sodré Funk Connection – Are You Somebody
Festa
é Festa e o Funk é o Senhor
Minta
& The Brook Trout – Olympia
A
paixão pelo neo folk de matriz norte
americana a partir de Lisboa.
Orelha
Negra – Orelha Negra
Ao
2º álbum o fascínio pela arquitetura do som continua a marcar a vida deste
grupo, cuja paixão pela mesa de mistura é semelhante à que têm pelos
instrumentos propriamente ditos.
Walter Benjamin -The Imaginary Life of Rosemary and Me
As
referências vêm de todos os lados mas mantendo o registo muito próprio: de
Dylan a Cohen, dos Beatles aos Beach Boys, dos Phoenix aos LCD Soundsystem, de
António Carlos Jobim a Chico Buarque, dos Red House Painters aos Wilco e dos Yo
La Tengo a Beck. Uma amálgama? É verdade! Mas vale a pena!
WrayGunn
- L´Art Brut
Seja
como The Legendary Tiger Man ou como
líder dos WrayGunn, Paulo Furtado
vive o lado mais negro e vicioso do rock´n´roll.
Este disco de 2012 tem um nome perfeito: A arte é brutal, corrosiva, suja. Os WrayGunn seguem a máxima de Lou Reed e aventuram-se pelo lado “errado” da vida.
Hoje
fico por aqui, amanhã fecho o ciclo com A Música Popular Como Arte Intergeracional e
Global, o III capítulo destes Sons/012.
Luís Filipe Meira
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