Luís Filipe Meira
O
Testamento Vital
de
Rui
Veloso
Um
bom disco, para um melómano inveterado ou para quem a música seja a arte
suprema, é uma peça de coleção, a que se volta com maior ou menor regularidade,
e nunca um objeto de consumo. Eu que tenho uns bons milhares de discos entre
vinis, cds ou em suporte mp3 armazenados digitalmente, organizei uma playlist
com algumas dezenas de registos que considero fundamentais, a que volto com
regularidade para reviver ou descobrir novas emoções, deixando os outros em stand by para visitas mais espaçadas ou
pontuais. A música só é boa se transmitir emoções, negativas que sejam. Um
disco que cause indiferença é um nado morto, um disco que não deixe memória
pouco mais é. O novo disco de Rui Veloso é mais ou menos isso.
Mas
vamos por partes.
Foi
editado esta 2ª feira o álbum “Rui Veloso
& Amigos” que assinala o regresso a estúdio daquele que nos idos anos
80 chegou a ser apelidado de “pai do rock
português”, a propósito de um belo disco chamado “Ar de Rock”. Mas já
passaram 32 anos sobre a vinda de Veloso do Porto para Lisboa para abanar o
país musical ao som de canções como “Chico
Fininho”,”A Rapariguinha do Shoping”, “
Donzela Diesel” ou causar genuína admiração por canções quase perfeitas
como o “Bairro do Oriente” ou “Sei de uma Camponesa”. Os
anos passaram, Veloso gravou em trinta e dois anos, nove álbuns de originais em
estúdio, três ao vivo e uma compilação, o que me parece manifestamente pouco
para um artista talentoso q.b. que chegou ao topo por mérito próprio mas… que
por lá se vai mantendo artificialmente. E se dúvidas houvesse, este disco agora
editado, que vai chegar à platina num ápice, é a prova provada das minhas
afirmações.
O
último disco de originais de Veloso, ”A
Espuma das Canções”, data de 2005, desde aí Veloso não se retirou para um
período sabático, o que seria normal para revitalizar a inspiração, antes optou
por calcorrear o Portugal profundo em festas e romarias em concertos sofríveis
ou lamentáveis e patéticos. Adoeceu, recuperou, mas a postura desrespeitosa e
arrogante perante o público que paga para o ver, foi-se mantendo. As Festas do
Crato testemunharam por duas vezes essa atitude censurável. Recordo que em 2009
teve uma atuação tão deplorável que um ano depois, em entrevista ao Expresso,
considerou esse concerto como “ o que
mais o marcou negativamente em toda a
sua carreira”.
E
assim, vá-se lá saber porquê, Veloso regressa a estúdio sete anos depois, não
para mostrar que está vivo, que as falhas de inspiração e os excessos dos
últimos anos foram acidentes de percurso que acontecem aos melhores e que são
no fundo quase recorrentes na vida de uma estrela do pop/rock. Não, Veloso não
veio negar o passado recente, mas confirma-lo. Com este “ Rui Veloso &
Amigos” assina o seu testamento vital ou seja Veloso mostra que já não tem
vontade própria e por isso convidou um grupo de notáveis da música portuguesa
para o ajudarem, aconselharem, sugerirem ou fazerem mesmo uma espécie de
revisão de algumas das suas canções antigas, porque a inspiração já não dá para
novas composições.
Este
disco faz-me lembrar um tributo ou uma festa de despedida a Rui Veloso ou seja
uma dúzia de amigos juntaram-se e sem preocupações de maior, gravaram uma
espécie de jam session. É evidente
que tudo isto do ponto de vista técnico é irrepreensível. Bons músicos. Bons
instrumentos. Bons técnicos. Bons estúdios…mas… “cadé” a inspiração? O
desperdício é enorme… E os erros de casting
são mais que muitos.
Carlos
do Carmo e Camané cantam blues. Ricardo
Ribeiro, tremendo fadista, tenta ir atrás de Veloso, sem nunca o apanhar, em “Nunca me Esqueci de Ti”? O dueto com
Bernardo Sassetti que poderia ser um momento para a história, não só pelo
desaparecimento prematuro do pianista, mas pela experiência que este tinha em
duetos com cantores, como ficou provado na excelência do trabalho com Carlos do
Carmo em 2010, é absolutamente confrangedor. A colaboração com Maria João e
Mário Laginha é outro desperdício, pois não há um pingo de empatia durante a
prestação. Dos momentos com Luís Represas, Tito Paris, Zeca Medeiros ou
Expensive Soul nem vale a pena falar. Salvam-se, “Fado do Ladrão Enamorado” com Danny Silva, um tema em que a
musicalidade lusófona existente no sangue dos dois músicos ajuda a construir
pontes muito sólidas entre as duas personalidades saindo dessa ligação talvez o
melhor momento do disco. “A Explicação das Estrelas” com JP Simões
também não vai nada mal, pois a produção vestiu a canção à imagem de JP,
Veloso não inventou e seguiu muito bem as pistas que apontavam para uma canção
notívaga, muito perto da canção de baile em night
club. A abrir há um rock/blues
com Jorge Palma em módulo “Eric Clapton”,
que vai muito bem esgalhado ainda que longe da transcendência. A fechar há um Fado Pessoano, tipo “We Are the World” ou “Do They Know it´s Chrismas”, tal a quantidade de gente
de várias proveniências que está em estúdio. Este Fado Pessoano que entra com competência pelos caminhos da lusofonia,
também não se sai nada mal.
Será
que e em balanço final poderei dizer que este Rui Veloso & Amigos é um mau
disco?
Claro
que não! Depois de ouvir uma boa meia dúzia de vezes o disco no seu todo e duas
ou três canções mais interessantes, mais algumas vezes, não posso nem de perto
de longe concluir que isto é um mau disco ou que nem deveria ter sido gravado,
apesar de não trazer absolutamente nada de novo à música portuguesa e isso é
que para mim é desconfortável. Afinal colaboram neste disco cerca de trinta
músicos portugueses de topo e desse trabalho não há aqui nenhuma canção –
apesar do álbum ser uma revisão – para mais tarde recordar…
Se
Veloso queria fazer uma revisão acompanhada de algumas das suas canções teria
que trabalhar muito mais e, eventualmente, seguir o exemplo de Sérgio Godinho,
que em “ O Irmão do Meio” fez uma
releitura, em dueto, de várias das suas canções conseguindo que, no mínimo, a
maior parte fosse tão boa como os originais ou então arriscar como fez Carlos
do Carmo que aos 78 anos de idade avança para a gravação de um disco de fados
compostos pelo compositor clássico, António Vitorino de Almeida, acompanhados
ao piano por Maria João Pires, uma concertista. Para não falar de Ana Moura que
apesar de possuir um sólido circuito mundial como fadista, levou os seus
músicos para Los Angeles e debaixo da batuta do Larry Klein, um super produtor de
grande parte dos discos de Joni Mitchell, saiu da sua
zona de conforto e arriscou a cantar “ A
Case of You” da mesma Joni Mitchell e
a entrar no estúdio com Herbie Hancock.
“Isn´t it a pity?” diria
George Harrison… se ainda pudesse ouvir este disco.
Luís Filipe Meira
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