\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

segunda-feira, maio 02, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

IV – Fundamentalismos... ou talvez não!

Fui durante alguns anos colaborador do Parque Natural da Serra de São Mamede. Essa foi uma oportunidade muito interessante na minha vida profissional, pois pude partilhar os objectivos e práticas duma magnífica equipa onde destaco, pela sua invulgaridade, o saudoso amigo Luís Bacharel. Percebi então como, de fora, se pode facilmente rotular os normais comportamentos de ambientalistas honestos, convictos e sinceros de... fundamentalismos!
Recapitulando a fácil e cómoda convicção de que recebemos o mundo como herança natural dos nossos pais, encontramos nesta falsa lógica os ligeiros argumentos que desculpam as leviandades colectivas praticadas à toa. Se, pelo contrário, assumirmos o ambiente como um empréstimo concedido pelos nossos filhos, a responsabilidade inerente obrigar-nos-á às mais rigorosas inflexões comportamentais. A “culpa” dos outros deixa de aliviar os nossos próprios pecadilhos e as regras onde nos habituámos a encontrar uma “injusta” restrição da nossa liberdade individual passam a ser compreendidas, colectivamente, de forma bem diversa.
Afinal, nas minhas vivências ambientalistas, tudo começara em 1984, antes mesmo da passagem pelo Parque Natural, quando o Atelier de Artes Plásticas, então alojado no verdadeiro centro cultural portalegrense que foi o Convento de Santa Clara, albergou no seu seio a criação e o efectivo funcionamento da primeira associação local do género: o GEPFA – Grupo para o Estudo e Protecção da Fauna e Flora do Alto Alentejo.
Como é óbvio, toda esta sucessiva e continuada experiência teria de orientar as minhas próprias convicções. Por isso, a constatação da existência duma central nuclear tão próxima, ainda que mantida numa conveniente discrição, acabaria por provocar alguma preocupação pessoal.
Sem demasiadas tranquilidades ou excessivos temores, há que avaliar realisticamente a situação. Admitindo que pode acontecer aqui um cataclismo, como o que recentemente afligiu o Japão (mesmo sem tsunamis), equacionar a questão de Almaraz ganha uma redobrada actualidade.
Almaraz iniciou a laboração do seu primeiro reactor em Outubro de 1981. Algumas centrais alemãs similares, com a mesmíssima idade, foram recentemente encerradas para serem sujeitas a testes de segurança, sendo admitida a sua definitiva desactivação. A Almaraz, pelo contrário, foi há pouco concedido um prolongamento da vida inicialmente prevista...
Esta central nuclear despeja as águas de refrigeração dos seus dois reactores no Tejo, através da albufeira de Arrocampo, aumentando obviamente a radioactividade daquele rio comum a Portugal e a Espanha.
Em Outubro de 2010, realizou-se na Escola Superior Agrária de Castelo Branco uma Conferência Internacional sobre Risco Tecnológico Nuclear, onde se estudaram alguns cenários como o de um terramoto de nível médio na zona de Almaraz. O acidente nuclear que provavelmente seria desencadeado poderia provocar o rebentamento da barragem de Valdecañas e o consequente galgamento da barragem de Cedillo, causando inundações desde Vila Velha de Ródão, não tendo sido possível determinar se os diques das barragens de Fratel e de Belver conseguiriam aguentar tal excesso de carga.
Esse hipotético acidente nuclear implicaria um considerável aumento na contaminação radiológica do rio Tejo, estendendo-se até Lisboa, pois o ar e a água são excelentes condutores da radiação... E nós estamos muito mais perto!
Alguém, responsável, nos avisou atempadamente quanto às medidas básicas de sobrevivência a assumir perante uma indesejável, mas possível, ocorrência deste tipo? Resolverá tal emergência a eventual disponibilidade de planos (secretos?) numa gaveta, para divulgação em cima (ou depois!) da hora? Será que ninguém nos quer assustar, porque já nos basta a crise? Ou, bem à portuguesa, vamos esperar que a desgraça aconteça, para confiar, então, na divina Providência?
Pontapé para a frente e fé em Deus – eis-nos perante o clássico lema lusitano. O pior é que a receita já nem sequer no futebol indígena funciona...
António Martinó de Azevedo Coutinho