\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, janeiro 28, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

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RÉGIO HOJE

IV - JOSÉ RÉGIO, “FADISTA”(parte dois)

Chapéus há muitos, como se proclamava num filme do clássico cinema português, e fados, provavelmente, também serão aos pontapés.
Por outra palavras, não é fado o que quer sê-lo, mas o que o é de corpo inteiro.
José Régio deixou-nos um claro testemunho a tal respeito. Nos seus textos escritos e nas suas palavras ditas, ele soube definir com justeza o que procurou transmitir-nos no seu Fado.
Será muito significativo conhecer o seu depoimento, recolhido de uma entrevista concedida à RTP em 1968, poucos meses antes da morte. Aí, a propósito dessa obra, disse:
- “A força do Fado é muito diferente -admitindo que há aí força- da força das Encruzilhadas de Deus. No Fado quis fazer uma espécie de aproveitamento literário do fado português. Até por vezes há uma espécie de caricatura, ou de paródia, da própria letra de fados que vulgarmente se cantam, dos folhetos de feira em que há letras para fados. (...) Procurei formas tradicionais portuguesas e usei muitas vezes a redondilha, vulgar nas quadras portuguesas. É um livro muito diferente. A força é diferente...”
Este testemunho pode ser plenamente compreendido, e complementado, no longo Prefácio que Régio escrevera para a 2.ª edição dos Poemas de Deus e do Diabo (1943) e de onde retiramos três curtos excertos:
Pelo que toca à parte propriamente literária do Fado, bem me apraz declarar que mal ouvi ou li versos com algum entendimento, me senti seduzido pelos velhos rimances, toadas, estribilhos, cantigas ou quaisquer outras formas de poesia popular.” (...) “E aqui está, leitor, aonde cheguei, começando por tanger no fado do artista. Ora se a palavra fado te não agrada, também a mim nem sempre; não obstante o meu uso e abuso dela! Digamos, então, que por fado do artista viemos a entender certas leis que parece presidirem à condição do artista e criação da obra de arte.” (...) “Mas não mendigo leitores, nem, Deus louvado, lisonjeio público algum. Não me permitireis que dignamente cumpra o meu fado?”
Quando, em 1958, Régio registou a voz para o disco onde deixou a interpretação pessoal dos seus poemas, do Fado seleccionou dois, num total de nove: Fado dos Pobres e Fado do Grande e Hòrrível Crime... Significativo!
José Régio, lembremo-lo, publicou Fado em 1941, quando já vivia há doze anos em Portalegre, onde terá escrito a maior parte da obra. Essa histórica edição dispõe de 15 poemas e é dotada de outras tantas ilustrações criadas pelo seu irmão Júlio. Na edição seguinte, em 1957, as ilustrações seriam da autoria de outro grande desenhador nacional, Stuart de Carvalhais.
Estas são as motivações e algumas particularidades da obra. Porém, para além da aceitação puramente literária e do inerente êxito editorial, acresce uma outra dimensão, precisamente a que procurámos suscitar no início deste texto: aqueles poemas, criações literárias com uma clara dimensão estética, são fados?
A resposta deu-a, em primeiro lugar, Amália Rodrigues, “doutorada” nestas andanças, quando, a partir de 1970, adoptou o regiano Fado Português como parte integrante do seu reportório, com música de Alain Oulman.
Podemos assim afirmar que, se o fado já era tradicionalmente considerado -com ou sem razão- como a canção nacional portuguesa, Régio lhe veio trazer uma considerável achega literária e culta, fornecendo-lhe uma espécie de “alibi” histórico.
Depois, alguns cultores do fado seguiram o exemplo de Amália, como Manuel de Azevedo Coutinho, Jorge Ganhão, Humberto Sotto Mayor e outros, até chegarmos a Dulce Pontes, nos nossos dias. Todos estes e alguns mais, que a memória agora não abarca, interpretaram ou interpretam poemas do Fado. E esta é a verdadeira consagração popular -a mais autêntica- dum livro que, ao tempo, alguns “iluminados” consideraram com obra menor...
Que pode daqui ficar como sugestões concretas quanto a mais esta efeméride? As quase óbvias, a partir do atrás enunciado:

- Associação dos municípios de Coimbra (Balada), Portalegre (Toada) e Vila do Conde (Romance) à efeméride, assumindo em conjunto a plenitude do estatuto colectivo de As três Cidades de Régio;
- Inserção da obra de José Régio no original, oportuno e pioneiro projecto de dignificação cultural do Fado, dinamizado pelo município de Lisboa;
- Sensibilização da Imprensa Nacional/Casa da Moeda para concretizar uma edição especial, devidamente anotada, comemorativa do 70.º aniversário da primeira edição de Fado;
- Edição de um disco antológico com todas as interpretações conhecidas (ditas e cantadas) de poemas do Fado, por José Régio, João Villaret, Amália Rodrigues, Dulce Pontes, Humberto Sotto Mayor, etc.

De contactos informais com responsáveis do Instituto Politécnico de Portalegre e da ERT – Entidade Regional de Turismo do Alentejo, resultou a manifestação do seu interesse e da sua disponibilidade para se associarem a este projecto em torno do Fado de Régio.
Quatro efemérides, quatro distintos e complementares desafios ou provocações colocados às nossas sensibilidade e capacidade, desde que acreditemos na modernidade de Régio e no seu activo papel na dinamização e valorização das nossas gentes e das nossas comunidades.
Estamos em 2011...
António Martinó de Azevedo Coutinho