Ciclo de Conferências de Senadores - III
Nada de novo, como se esperava!
João Bosco Soares da Mota Amaral veio na passada quarta-feira dia 26 de Maio a Portalegre pela primeira vez. E veio a convite do Instituto Politécnico de Portalegre (IPP) para mais uma Conferência do Ciclo de Conferências de Senadores que está a decorrer, com uma assistência que pouco se altera de Conferência para Conferência, e que é um grupo de gente ‘fidelizada’ e que mostra que, embora sendo poucos, ainda há em Portalegre gente que se interesse pela Coisa Pública, pela Res Publica.
Fez a apresentação do Conferencista Rui Cardoso Martins. A par da leitura de um texto, fez considerações oportunas sobre o presente a propósito do currículo de Mota Amaral. Rui Cardoso Martins foi discreto em todos os momentos que protagonizou, muito contribuindo para que aquele tempo fosse enriquecedor.
Se quando da presença de António Arnaut estava presente a célula dos médicos do PCP, agora estava um grupo de PPD’s, dos primórdios da fundação deste partido em Portalegre, e que hoje apenas se representam a si próprios, quiçá por há muito terem deixado a política activa.
Como preâmbulo, e para se perceber melhor um conjunto de afirmações feitas por Mota Amaral na Conferência, é importante recordar que o mesmo foi eleito pela União Nacional deputado à Assembleia Nacional do Estado Novo em 1969 e nela tendo permanecido até 24 de Abril de 1974, facto e data que curiosamente é omissa no currículo do Conferencista. Por sua vez, a sua actividade política é por demais conhecida nesta Terceira República.
E começa-se justamente pelo facto de Mota Amaral não considerar o período do Estado Novo uma República. Parece ser presentemente um modismo esta posição, que é incorrecta, que é falsa. Podia-se trazer à liça um número infindável de argumentos, mas recordando as ‘pinças’ que Mota Amaral utilizou para falar da Ditadura Comunista, é bom dizer que ele não recusou chamar à ‘defunta’ URSS uma República, nem aos satélites da URSS, que, tal como a ‘mãe-sol’, além de Repúblicas se auto-intitulavam de Democracias Populares. Esquisitices, dir-se-ia.
Vivemos na Terceira República, onde a Democracia é vivida, mas que a classe política actual, onde se inclui Mota Amaral, tudo tem feito para a destruir.
Um, de vários, facto curioso foi ouvir Mota Amaral falar das eleições no Estado Novo, acusando-as de fraudulentas.
Mas Mota Amaral foi eleito em 1969 e depois novamente em 1973 para a Assembleia Nacional por meio de fraude? E pactuou com a fraude? Não denunciou a fraude que agora afirma ter acontecido nesses dois actos eleitorais em que foi eleito? Em que ficamos? Com que gente política estamos a falar?
As eleições no Estado Novo obedeciam a um conjunto de princípios, os quais eram observados pelos intervenientes. Havia na lei eleitoral então vigente um conjunto de impedimentos, visto de hoje, mas em História há que saber situar as épocas.
Na Primeira República, o universo eleitoral era muito mais restritivo do que no Estado Novo, e as eleições eram de facto fraudulentas. As ‘chapeladas’ típicas do tempo do Rotativismo eram a constante, e a ditadura do Partido Republicano foi outra das constantes daquele período.
Um outro momento deveras curioso foi quando Mota Amaral disse, e repetiu por mais de uma vez, que o Estado Novo nas vésperas da Revolução do 25 de Abril de 1974 estava solidamente implantado. E um dos exemplos que deu, se não o exemplo para ele mais convincente, foi o facto de dias antes Marcello Caetano ter sido ovacionado de pé no Estádio de Alvalade quando chegou para presenciar um jogo de futebol.
Ora, hoje está mais do que provado que as mais altas instâncias do Regime sabiam das movimentações dos Capitães. E não eram só as tais altas instâncias, também a polícia política estava a par. Era um verdadeiro ‘segredo de polichinelo’ saber-se que o Regime iria soçobrar em pouco tempo. O prelúdio fora o ‘Golpe das Caldas’ em 16 de Março anterior. E em tempo algum Mota Amaral percebeu, ou se apercebeu, que se estava no estertor do Regime!
E quanto ao que aconteceu no Estádio de Alvalade e o que dias depois se viu no Largo do Carmo, Mota Amaral encontra a explicação lendo a obra de Gustave le Bon (e há tradução portuguesa) «Psicologia das Multidões», ou, porventura será mais acessível para ele, o livro de Bulwer Lytton «Rienzi, O Último dos Tribunos» (e optando por este romance, até pode aproveitar para uma ida aos Alfarrabistas, porque há muito que está esgotado).
Também a dada altura, e mais tarde repetiu, Mota Amaral aproveitou o ensejo de dar foros de vidente a Manuela Ferreira Leite, porque ela profetizara a actual crise. E ao falar a verdade sobre a situação económica e financeira do país na última campanha eleitoral, Ferreira Leite perdeu as eleições.
Este é um facto político de todo e em todo verdadeiro. Todavia, Mota Amaral não falou dos verdadeiros responsáveis da situação a que se chegou, como se ela tivesse sido gerada ‘por obra e graça do Divino Espírito Santo’, ou não fosse João Bosco açoriano.
Mota Amaral é um político profissional, e desde 1969 sem interrupção. Não disse nada que não fosse expectável, vindo de um político politicamente correcto. Mas mostrou ser um gentleman, o que o enobrece, ele que é Republicano.
Mário Casa Nova Martins
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Actividade de João Bosco Mota Amaral na Assembleia Nacional, Segunda República, entre 25 de Novembro de 1969, data do início dos trabalhos da X Legislatura, e 26 de Abril de 1974, dia em que a Assembleia Nacional foi formalmente dissolvida, terminando assim a XI Legislatura:
http://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/DeputadosAN_1935-1974/html/pdf/a/amaral_joao_bosco_soares_mota.pdf*
Leituras:
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