Palestina - Randa Nabulsi
A delegada-geral da Palestina em Portugal diz que a política do Quarteto, de dois pesos e duas medidas, desilude a população palestiniana e reforça o extremismo
Os parceiros da paz: a mentira dos parceiros ou a mentira da paz?
Randa Nabulsi
O processo de paz baseado na troca de terra por paz chegou a um impasse. Israel quer a paz e a terra ao mesmo tempo, continuando a confiscar terras e a construir colonatos em violação do direito internacional que condena e criminaliza a aquisição de terrenos pela força. Cito apenas dois exemplos: o artigo 47° da Convenção de Haia de 1907 diz que “a pilhagem é formalmente proibida”; e o artigo 49º da Quarta Convenção de Genebra de 1949 refere: “A potência ocupante não poderá proceder à deportação ou à transferência de uma parte da sua própria população civil para o território por ela ocupado”. O direito internacional condenou também a construção de colonatos através de resoluções vinculativas do Conselho de Segurança (nº 446, 465 e 462) e dezenas de outras de carácter não-vinculativo da Assembleia Geral.
Pôr fim à colonização, incluindo o crescimento natural dos colonatos, foi uma condição do Acordo de Oslo, assim como o primeiro artigo do Roteiro para a Paz, cujas obrigações a parte palestiniana cumpriu, como testemunha o Quarteto, enquanto Israel continua a não respeitar todos os seus termos. O negociador palestiniano encontra-se, 17 anos depois, perante uma fúria israelita sem precedentes, apressada em colocar factos no terreno, acompanhada por um feroz ataque contra os hierosolimitanos, desde a sua deslocação, demolição de casas e a retenção de documentos de identidade, além da construção do muro de separação. Por tudo isto, a liderança palestiniana declarou a impossibilidade de continuar este absurdo, a menos que Israel cesse completamente a construção ilegal de colonatos, incluindo em Jerusalém Oriental, e aceite a solução de dois Estados.
Os 440 colonatos ilegais construídos em terras confiscadas aos proprietários originais e a colocação de estrangeiros, pela força das armas, para partilharem, com o povo originário, as suas terras e recursos hídricos, sufocando-o e impedindo a realização do seu projecto nacional, é uma horrível ocupação colonial. Uma Autoridade Palestiniana que respeita a luta do seu povo não pode aceitar esta situação: o seu papel é lutar contra a ocupação e não a coabitação ou a pacificação com a colonização.
A partilha da Palestina, a 29 de Novembro de 1947, não cumprida até hoje, atribuiu a Israel 52% da Palestina histórica, mas Israel foi declarado, pela força das armas, em 1948, sobre 78% da Palestina histórica. Recusamos que a história se repita, pois se a construção dos colonatos e do muro continuarem só restarão para os palestinianos 12% da Palestina histórica e 22% da Cisjordânia em forma de guetos semelhantes aos que existiam na África do Sul durante o apartheid.
Será que Israel não entendeu que o povo palestiniano é uma realidade genuína – e não um intruso –, com direitos enraizados nesta terra, tal como entendemos que Israel é uma realidade com que temos de coabitar? Recorrer à proposta do Conselho de Segurança – o suposto aliado dos fracos e válvula de segurança – para o reconhecimento do Estado Palestiniano com as fronteiras de 4 de Junho de 1967 são a prova real dos valores da justiça, da legitimidade e do direito internacionais. O povo palestiniano está cansado de ver a sua causa perder credibilidade e está saturado de anestesias injectadas através de conferências, convenções e compromissos que o Quarteto o obriga a cumprir mas ficando impotente perante o desrespeito de Israel, país colonialista acima da lei. A política de dois pesos e duas medidas desilude os palestinianos, faz com que os cavaleiros da paz percam credibilidade perante o seu povo e reforça o extremismo, uma desculpa israelita para não cumprir compromissos de paz.
in, 36 PRIMEIRO CADERNO – Expresso, 28 de Novembro de 2009
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