\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, setembro 25, 2009

António Martinó de Azevedo Coutinho

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Ó Elvas, ó Elvas,

Badajoz à vista.

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Sou dos que aqui viveram num ambiente citadino de quase permanente “conflito” com Elvas. Esta espécie de recíproco culto pela “inveja” alimentou mesmo alguns episódios de má vizinhança, como, por exemplo, o da ostensiva retirada do nome de Elvas da toponímia portalegrense.
Pelos anos 60, integrei um elenco autárquico que repôs, com justiça e dignidade, tal designação na rua que liga o Semeador ao Café Alentejano. Pouco depois, suprema ironia e até afronta para muitos lagóias, recebíamos de Elvas um novo Presidente da Câmara. Penso, como muitos outros portalegrenses, que o Prof. Silva Mendes foi de longe o melhor autarca que a nossa terra conheceu nas últimas décadas, entre os eleitos e os nomeados, até onde a nossa memória pode abarcar com rigor e isenção.
Desde a implantação do poder local democrático, as duas terras têm procurado seguir um lógico rumo de progresso e de afirmação. A capacidade e a determinação personalizadas nos respectivos e sucessivos elencos autárquicos (com especial destaque para as suas figuras cimeiras) tem produzido ou olvidado obra, tem aproveitado ou rejeitado oportunidades, tem provocado desenvolvimento e progresso ou tem-lhe passado ao lado.
À sua respectiva dimensão, ambas as cidades atravessaram crises indesmentíveis que seriamente agravaram os seus sectores económicos tradicionais: sobretudo o industrial em Portalegre e o comercial em Elvas. A desertificação e o envelhecimento sociais assim como o abandono dos campos, agora muito acentuados no nosso Alentejo do Norte, também em nada contribuíram para manter o antigo prestígio destas comunidades.

De vez em quando vou a Badajoz. Tenho até agora escolhido o percurso por Campo Maior, pela via do Retiro, mas a crescente degradação do último troço rodoviário nacional fez-me alterar o hábito.
Ontem, decidi rumar Elvas, por Santa Eulália, compensando o ligeiro acréscimo quilométrico com uma estrada de melhor qualidade. Mas, pela falta de hábito e pelo desprezo da tecnologia GPS disponível no telemóvel, enfiei direito a Lisboa ao entrar na auto-estrada. Nada me preocupei por saber que pouco adiante poderia emendar o distraído erro, rumando a Elvas.
Há alguns anos que não percorria aquela zona periférica da cidade raiana. As minhas últimas idas a Elvas, por motivos turísticos ou culturais, tinham-se limitado a episódicas visitas à sua chamada zona histórica.
Devo confessar que fiquei impressionado com esta recente e acidental passagem. Demorei até mais tempo que o necessário, apreciando as largas avenidas rasgadas com arrojo, as modernas construções como o Coliseu, os míticos sítios como a Piedade, os festejos do São Mateus em pleno curso, as rotundas e os seus efeitos de água, bem conseguidos, a limpeza citadina, o ordenamento urbano, o apreciável movimento e a vida comunitária, exuberante naquela tranquila manhã, e era ainda cedo. Enfim, para quem está habituado à vulgar indigência lagóia, tudo aquilo teve o efeito duma revelação...
E percebi mais claramente os rumores, cada vez mais insistentes, que nos vêm alertando para a crescente perda de influência da nossa capital (?!) de Distrito em favor de Elvas. Associando a impressão colhida, superficial é certo mas significativa, ao que tenho lido e ouvido ao longo dos mais recentes tempos, vejo-me obrigado a aceitar a inevitabilidade do indesejável.

Sei das preocupações autênticas da actual autarquia elvense em favor dos mais desfavorecidos e carenciados, do uso da criatividade nas coisas da cultura local, do seu orgulho pelo renovado parque desportivo (com relvados e tudo o mais!), da sua intransigente luta pela defesa das valências hospitalares, da sua permanente preocupação pela implantação de novos e valiosos espaços museológicos, da sua política activa em prol da manutenção do projecto TGV, do culto autêntico e pragmático da vizinhança com Badajoz, etc., e fico-me por aqui porque seria muito longa a relação do que se vai por cá sabendo.
Aqui, nesta Portalegre em estado de coma, nada de válido move autarcas e cidadãos. Navegando à vista, ao sabor de impulsos inconsequentes ou de caprichosas rotas, trocando a todo o momento as realizações concretas pelas meras e abstractas promessas, os responsáveis locais buscam um improvável rumo entre as vagas da indiferença, as procelas da distracção, os ventos da demagogia, as tempestades da arrogância...

A um autarca teimoso e determinado, que alguns crismam mesmo de intratável, replicamos com a figura simpática e populista, mas arrogante e confusa, de alguém que esqueceu a firmeza e a audácia que lhe deram fama num já distante passado; a uma equipa sólida, esclarecida e culta, contrapomos um conjunto numeroso de eleitos incapaz de justificar, nem sequer pela quantidade das obras, a sua qualidade mínima. Falo dos comandantes, dos subalternos, mas, por pudor, nem sequer refiro a marinhagem que por cá pulula no convés e nos porões...
Os resultados práticos estão à vista: enquanto Elvas cresce e se afirma, Portalegre mergulha na maior vulgaridade, atingido deficitários níveis de qualidade, no confronto com as suas pares. Como nunca!
Creio que em breve Paco Bandeira estará autorizado a alterar o seu célebre estribilho, ficando-lhe mais apropriado cantar:

Ó Elvas, ó Elvas,
Portalegre longe da vista.

António Martinó Coutinho