\ A VOZ PORTALEGRENSE: Olivença é Portugal

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Olivença é Portugal

Ruínas da Ponte da Ajuda - Portugal

Jornal "PÚBLICO",
Local - Lisboa,
01-Fevereiro-2007
.
UMA CRÓNICA DO SÉCULO XXI: A INCRÍVEL ODISSEIA DE UMA PONTE
.
Há acontecimentos que dir-se-ia integrados numa trama novelesca... quase rocambolesca... tantos são os episódios inesperados que o rodeiam. O que é verdade num dia, deixa de ser no seguinte, volta a sê-lo pouco depois... uma sucessão interminável de surpresas.
Está nesta situação o processo de recuperação da velha ponte manuelina da Ajuda, entre Elvas e Olivença, que, afinal, sempre vai ser recuperada.
É inevitável fazer, ou tentar fazer, um breve historial do caso, para se tentar perceber minimamente o que se passou, ou o que se está a passar.
A Ponte foi destruída em 1709. A partir de 1801, com a ocupação espanhola de Olivença, a sua reconstrução tornou-se mais problemática, por se inserir na questão de soberania da Terra das Oliveiras.
Encurtando episódios, decidiu-se em 1994 (Agosto) que seria reconstruída por Portugal, sendo construída uma nova ao lado, igualmente pelo Estado Português, de forma discreta, para que não se interpretassem as obras como uma abdicação de soberania sobre o território por parte de Lisboa.
Em Outubro de 1999, quando as obras da nova Ponte alcançavam já a margem oliventina do Guadiana, as autoridades espanholas intervieram, e, contra o acordado, obrigaram à paragem dos trabalhos. Este episódio só se tornou público em Março de 2001.
Retomadas as obras em Fevereiro de 2000, a nova ponte foi inaugurada, de forma não oficial mas festiva, em 11 de Novembro do mesmo ano de 2000. Só depois se soube que Portugal aceitara que fossem entidades espanholas a recuperar a velha ponte, desde que com um projecto aprovado pelo luso I.P.P.A.R.. Associações cívicas protestaram, e uma Providência cautelar impediu que se iniciassem quaisquer trabalhos no monumento histórico.
Entretanto, assinara-se em Albufeira (12-Janeiro-2000) uma Convenção cujos termos só depois viriam a mostrar a sua importância.
A Providência cautelar foi contestada pelo Estado Português (13 de Setembro de 2001), e foi decidido considerá-la despropositado, com alguns argumentos que adiante se reproduzirão.
Em 2003, a velha Ponte começou a ser reconstruída, subitamente, sem prévia aprovação pelo I.P.P.A.R., com poucos cuidados histórico-arquitectónicos. Choveram os protestos, e deu entrada em Tribunal um processo contra o que se estava a passar. O processo foi levado a Tribunal (Elvas), onde foi "derrotado". Mas, no que se pode considerar um acontecimento do ano, no final de 2006, após recurso, o Tribunal de Évora decidiu que o citado processo deveria ser de novo examinado.
Mas... muita água passara debaixo da Ponte. O I.P.P.A.R., que acabara por reprovar claramente as obras interrompidas, foi recebendo novas propostas, e, no final do já citado ano de 2006, autorizou nova reconstrução do Monumento Histórico, uma vez respeitadas uma série de normas (parece que se vai colocar uma estrutura metálica, que não "ofenderá" o "esqueleto" manuelino). Assim, como passagem pedonal, a Ponte voltará a cumprir a sua função muito em breve.
O que concluir de tantas peripécias?
Para já, que o Estado Português acautelou as suas posições de princípio. Pode-se ler, no texto da Convenção de Albufeira (12-Janeiro-2000), o seguinte:"A construção e manutenção de Pontes de interesse comum para serviço ferroviário, rodoviário, e pedonal, bem como das respectivas acessibilidades,... NÃO MODIFICAM A LINHA DE FRONTEIRA ENTRE OS DOIS PAÍSES."
O Estado Português, na sua "contestação" de 13 de Setembro de 2001, já citada, não hesita em reafirmar, sem equívocos, que mantém a sua posição de não reconhecimento da soberania espanhola sobre Olivença (citando: "O Estado Português tem-se recusado a definir os limites fronteiriços entre Portugal e Espanha no troço que medeia a foz do Rio Caia à foz da Ribeira de Cuncos (...).(...) de forma a afastar a interpretação jurídica (...) se cedia na soberania sobre o território Oliventino, respectivos monumentos e demais património."). (Não se pode esquecer que Portugal, neste ponto, não pode ser "negligente", porque a posse da bacia do Guadiana e das águas do Alqueva têm uma relação importante com o problema de Olivença...)
Nessa mesma contestação (de 13 de Setembro de 2001), entre inúmeras considerações, afirma-se que "o Reino de Espanha se coloca em posição de fragilidade, porquanto se obriga a submeter, como já submeteu, o seu projecto, à apreciação do IPPAR."
Resumindo, perdoam-se a "actuação" das autoridades espanholas em Outubro de 1999, bem como as obras ilegais de reconstrução citadas. Como as questões de princípio, bem como o respeito pela arquitectura original da Ponte, acabam por ser contempladas, segue-se em frente como se nada se tivesse passado.
O que se fará com os trabalhos ilegais iniciados e interrompidos, que desvirtuaram o velho monumento, bem como o que se apurará sobre as responsabilidades neste tristíssimo episódio, ficará decerto por decidir, pelo menos até que o Processo judicial seja "reanimado", como decidiu o Tribunal de Évora em 2006.
Não há agora dúvidas sobre a legalidade das obras que se farão na velha ponte manuelina, nem de que as mesmas não porão em causa a posição tradicional de Portugal em relação à soberania sobre a Região de Olivença. E, contudo, fica a sensação, desagradável, que o Estado Português poderia ter assumido outras posições, mais firmes e mais públicas, em toda esta história. O segredo dos gabinetes continua a ser o método preferido para tratar das questões pendentes sobre a posse da citada Região. E pergunta-se quando haverá a coragem, sem excessivos melindres bilaterais, de se discutir abertamente a Questão de Olivença... como é próprio de Estados Democráticos e unidos por laços fraternos, e obrigados, todos, independentemente do seu tamanho, a respeitar um MESMO Direito Internacional.
Seja feita a obra. Perdoem-se os atropelos, já que os princípios são claramente salvaguardados. Mas não se elogiem e prolonguem as tibiezas diplomáticas. Estas não poderão durar eternamente, pois não dignificam muito o Estado que as pratica.
Carlos Eduardo da Cruz Luna