Batalhas do Passado
Num dado momento temos que escolher entre D. Pedro e o D. Henrique, entre Cromwell e Carlos l, entre o Marquês e os Távoras, entre Jacobinos e Chouans, entre D. Pedro e D. Miguel; ou entre os 'brancos' e os 'vermelhos'
Uma série de episódios recentes - a morte de Pinochet, a revisionista “Lei da Memória” de Zapatero sobre a Guerra Civil espanhola, a inclusão de Salazar em lugar cimeiro no concurso dos Grandes Portugueses - trouxeram o passado outra vez para o debate quotidiano. Que, diga-se, é mais interessante que discutir os méritos e «flops» do dr. Marques Mendes, ou "as reformas" inadiáveis.
O passado, "país estranho" de onde acabamos por vir, pessoal ou colectivamente; porque somos todos de lá, mesmo os mais progressistas ou futuristas; temos lá os nossos predecessores, os nossos irmãos de armas ou letras, os nossos mártires, os nossos heróis, os nossos inimigos, os nossos fantasmas, os nossos algozes. Num dado momento temos que escolher entre o D. Pedro e o D. Henrique, entre Cromwell e Carlos I, entre o Marquês e os Távoras, entre os Jacobinos e os Chouans, entre D. Pedro e D. Miguel; ou entre os 'brancos' e os 'vermelhos', os Nacionalistas e a Frente Popular, Pinochet e Allende. É assim. A "vida do espírito" é também essa continuidade e essa comunidade com as guerras desse "estranho país".
Curiosamente a esquerda - a tal "eterna" e politicamente correcta, convencida, arrogante, jacobina, "antifascista", dona da verdade e da democracia - mostra-se aqui empedernidamente igual a si mesma, escamoteando factos, cobrindo razões com gritos de indignação e insultos, não dando o braço a torcer.
É um maniqueísmo que recusa a realidade e a natureza dos homens e das coisas e a ideia - talvez por ser cristã, talvez por ser antropologicamente pessimista (logo "de direita") - que o homem é igual desde que há memória e história como crónica dos homens; capaz de tudo, do melhor e do pior, de paixão, de cálculo, de generosidade, de crueldade, de dedicação incontida, como de traição calculada. Actuando por medo, interesse ou honra. Um maniqueísmo que distribui essas qualidades humanas segundo ideologias e partidos: do género - os comunistas são sempre "coerentes e corajosos" mas os fascistas são, nas mesmíssimas atitudes, "fanáticos e brutais"; as direitas são egoístas e exploradoras; as esquerdas generosas e amigas dos pobrezinhos. Como se isto tivesse alguma coisa a ver com a realidade.
O tempo, que é um grande mestre (perdoem-me o «cliché», mas é mesmo...) ensina o contrário: que na política, "remo do mal, como aprendemos com Santo Agostinho e Maquiavel, a razão de Estado, quando se trata da sobrevivência das comunidades e pessoas em situações limite - «mors tua vita mea» - leva os protagonistas a fazer as mesmas coisas: no Chile em 73, ou na Espanha em 36, fatalmente ia haver confronto, guerra, vítimas de guerra, vítimas colaterais, vencedores e vencidos. Como na Rússia em 1917, na China em 1949, ou em Cuba em 1959. Como em França na Revolução ou nas Guerras Religiosas. Os vencedores sempre reprimem e punem mais que os vencidos e, nos casos citados, pode dizer-se que, a avaliar pêlos exemplos dos correligionários, temos legítimas dúvidas de qual teria sido o resultado da vitória dos «rojos» no Chile em 73 e em Espanha em 1936. A avaliar pelo que fizeram em Espanha nas áreas que controlaram em 36 e o que fizeram em Cuba, desde que tomaram o poder e pelo modo como o exerceram quando não tiveram os Francos e Pinochets para os parar.
Uma série de episódios recentes - a morte de Pinochet, a revisionista “Lei da Memória” de Zapatero sobre a Guerra Civil espanhola, a inclusão de Salazar em lugar cimeiro no concurso dos Grandes Portugueses - trouxeram o passado outra vez para o debate quotidiano. Que, diga-se, é mais interessante que discutir os méritos e «flops» do dr. Marques Mendes, ou "as reformas" inadiáveis.
O passado, "país estranho" de onde acabamos por vir, pessoal ou colectivamente; porque somos todos de lá, mesmo os mais progressistas ou futuristas; temos lá os nossos predecessores, os nossos irmãos de armas ou letras, os nossos mártires, os nossos heróis, os nossos inimigos, os nossos fantasmas, os nossos algozes. Num dado momento temos que escolher entre o D. Pedro e o D. Henrique, entre Cromwell e Carlos I, entre o Marquês e os Távoras, entre os Jacobinos e os Chouans, entre D. Pedro e D. Miguel; ou entre os 'brancos' e os 'vermelhos', os Nacionalistas e a Frente Popular, Pinochet e Allende. É assim. A "vida do espírito" é também essa continuidade e essa comunidade com as guerras desse "estranho país".
Curiosamente a esquerda - a tal "eterna" e politicamente correcta, convencida, arrogante, jacobina, "antifascista", dona da verdade e da democracia - mostra-se aqui empedernidamente igual a si mesma, escamoteando factos, cobrindo razões com gritos de indignação e insultos, não dando o braço a torcer.
É um maniqueísmo que recusa a realidade e a natureza dos homens e das coisas e a ideia - talvez por ser cristã, talvez por ser antropologicamente pessimista (logo "de direita") - que o homem é igual desde que há memória e história como crónica dos homens; capaz de tudo, do melhor e do pior, de paixão, de cálculo, de generosidade, de crueldade, de dedicação incontida, como de traição calculada. Actuando por medo, interesse ou honra. Um maniqueísmo que distribui essas qualidades humanas segundo ideologias e partidos: do género - os comunistas são sempre "coerentes e corajosos" mas os fascistas são, nas mesmíssimas atitudes, "fanáticos e brutais"; as direitas são egoístas e exploradoras; as esquerdas generosas e amigas dos pobrezinhos. Como se isto tivesse alguma coisa a ver com a realidade.
O tempo, que é um grande mestre (perdoem-me o «cliché», mas é mesmo...) ensina o contrário: que na política, "remo do mal, como aprendemos com Santo Agostinho e Maquiavel, a razão de Estado, quando se trata da sobrevivência das comunidades e pessoas em situações limite - «mors tua vita mea» - leva os protagonistas a fazer as mesmas coisas: no Chile em 73, ou na Espanha em 36, fatalmente ia haver confronto, guerra, vítimas de guerra, vítimas colaterais, vencedores e vencidos. Como na Rússia em 1917, na China em 1949, ou em Cuba em 1959. Como em França na Revolução ou nas Guerras Religiosas. Os vencedores sempre reprimem e punem mais que os vencidos e, nos casos citados, pode dizer-se que, a avaliar pêlos exemplos dos correligionários, temos legítimas dúvidas de qual teria sido o resultado da vitória dos «rojos» no Chile em 73 e em Espanha em 1936. A avaliar pelo que fizeram em Espanha nas áreas que controlaram em 36 e o que fizeram em Cuba, desde que tomaram o poder e pelo modo como o exerceram quando não tiveram os Francos e Pinochets para os parar.
JAIME NOGUEIRA PINTO (Professor Universitário)
in, Expresso, 23 de Dezembro de 2006 – PRIMEIRO CADERNO – P. 26
in, Expresso, 23 de Dezembro de 2006 – PRIMEIRO CADERNO – P. 26
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