\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

sexta-feira, maio 27, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

CRÓNICA QUARTA

No seu corajoso e esclarecido depoimento, Vasco Graça Moura abordou muitas outras questões igualmente pertinentes, como as da área económica, ao nível das consequências editoriais do Acordo.
Recordemos o que ele disse a tal propósito:
“... Mais de 40 milhões de pessoas seguem a norma portuguesa. De facto, não se trata de contrapor 10 milhões de portugueses a 180 milhões de brasileiros. Tratase de considerar que, de Portugal a Timor, passando por Cabo Verde, pela GuinéBissau, por S. Tomé e Príncipe, por Angola, por Moçambique, por Goa, por Macau, e pelas comunidades portuguesas e dos PALOP dispersas no mundo, há mais de 40 milhões de seres humanos que seguem a norma portuguesa. É, antes de mais, quanto às competitividades em presença no interior do universo da língua portuguesa que a questão do seu valor deve ser analisada. A adopção do Acordo redundará em total benefício do Brasil. Os PALOP e Timor ficarão completamente dependentes da edição e das indústrias culturais brasileiras. E isso virá a acontecer em Portugal. No resto do mundo, o Acordo não fará aumentar numa só página a quantidade de peças traduzidas, numa só pessoa o número de estudantes ou falantes da língua e num só forum internacional a utilização dela. Os prejuízos serão astronómicos: ficarão inutilizadas existências gigantescas de dicionários e livros escolares nas linhas de produção e nos armazéns dos editores; as famílias terão de suportar custos inadmissíveis na compra de novos materiais; milhões de livros adquiridos pelo Plano Nacional de Leitura e pelas bibliotecas escolares tornarseão inúteis para os jovens;  a importante posição das exportações da edição portuguesa para os países africanos acabará por se perder. Tudo isto constitui um daqueles casos clássicos em que, no médio prazo, a previsão de despesas supera catastroficamente a das receitas.
Passados três anos sobre estas lúcidas, embora apocalípticas, afirmações, que panorama se vive actualmente no nosso mundo editorial?
Muito recentemente, e pouco a pouco, começam a surgir alguns dados, ainda incipientes e pouco seguros. A propósito da recente Feira do Livro de Lisboa, em Abril/Maio, os jornais trouxeram à liça a questão do Acordo Ortográfico nas suas implicações editoriais. Assim, o Correio da Manhã, em 23 de Abril passado, ostentava o título Acordo até Setembro, encimando um interessante artigo onde era dada conta de que, depois do longo impasse, chegava a mudança: as grandes editoras iriam adaptar-se nos próximos meses às novas regras do acordo ortográfico, não só nos manuais escolares mas também nos romances e nos clássicos literários, à medida  que estes forem reeditados. No entanto, estas “convicções” eram logo desmentidas quando ficávamos a saber que as editoras deixarão aos autores (vivos) a soberana decisão pessoal de seguirem a grafia que entenderem, respeitando-a, sem qualquer resistência, nas respectivas publicações.
Poderá facilmente adivinhar-se a confusão a breve trecho reinante, com a coexistência de duas normas no mundo da literatura nacional... Provavelmente, a futura opção de cada leitor respeitará, para além do estilo e do universo criativo pessoal dos autores predilectos, a escolha da “clássica” ou da “novíssima” ortografia por cada um deles respectivamente praticada.
Isto até serem eventualmente consideradas fora da lei todas as obras escritas em português antigo (apetece-me escrever: autêntico!)...
Provavelmente, serão mais tarde criados dois sindicatos dos homens de letras: o dos inovadores e o dos resistentes...
O mirandês e outros dialectos minoritários serão exterminados e os galegos ficarão confusos na prática do seu proverbial e autêntico amor pela língua de Camões.
Fiquemos, para meditação, com mais um murro-na-boca-do-estômago que Vasco Graça Moura nos aplicou há uns tempos:
“... O Acordo resulta de uma iniciativa de José Sarney que, em 1986, enviou um emissário aos PALOP com essa finalidade. Para o Brasil, mais realista e mais pragmático, tudo era, desde o início, uma pura questão de mercado. Só para alguma ingenuidade lusitana, mais propensa à metafísica, é que se trata de assegurar a ‘unidade’ da língua
António Martinó de Azevedo Coutinho