\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

domingo, maio 22, 2011

António Martinó de Azevedo Coutinho

BANDEIRAS E FARRAPOS...
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O venerando chefe de Estado terá enviado uma mensagem ao clube, considerando que a vitória do F.C. do Porto “dignifica o futebol português e honra o desporto nacional”. Outra eminente figura pátria, o presidente da Federação Portuguesa do Pontapé na Bola, declarou que foi “uma grande vitória do nosso futebol”. Citei jornais da (nossa) época.
No entanto, qualquer espectador isento e esclarecido, perante o cenário vivo da festa, julgaria estar em presença da final da Taça dos Libertadores da América. De facto, o que todos pudemos ver foi um grupo de jogadores, legitimamente envolvidos pela glória do triunfo, desfraldando orgulhosamente as bandeiras nacionais do Brasil, da Argentina, da Colômbia e do Uruguai... (é verdade que também, minoritariamente, as da Polónia, da Roménia e de Cabo Verde).
Acontecera a final da Liga Europa, jogada por 27 futebolistas profissionais de duas equipas portuguesas, entre titulares e suplentes utilizados, com as seguintes nacionalidades: 12 brasileiros, 3 colombianos, 2 argentinos, 1 uruguaio e 1 peruano (19 sul-americanos!), mais 1 romeno, 1 cabo-verdiano naturalizado português e... 6 portugueses.
Este foi o retrato, rigoroso, do nosso desporto-rei exibido à Europa e ao Mundo, portanto a verdade publicada sobre o futebol português, sobre o desporto nacional.
Aliás, tudo isto vem na lógica sequência do incrível e surrealista antecedente exibido pelo glorioso Benfica, retrato e símbolo mítico da Pátria, a quando da sua participação no Torneio de Amsterdão, em Julho de 2009, onde Jorge de Jesus fez alinhar contra o Sunderland quatro brasileiros, quatro argentinos, um uruguaio, um paraguaio e um... espanhol!
Em relação à passada época, a Liga Profissional de Futebol Português indicou oficialmente a existência de 774 jogadores estrangeiros (de 53 distintas nacionalidades), preenchendo quase 20% dos lugares disponíveis nos 174 clubes portugueses inscritos nas competições nacionais.
Nada tenho contra esta “legião estrangeira”. Apenas saliento o retrato que, a tal propósito, acabámos de patentear em Dublin. E foi aqui que o episódio das bandeiras se inseriu. Até sou daqueles que não gostam de misturar o Futebol com a Política ou com a Pátria. Mas, ainda a este propósito, sou forçado a lembrar que a única (e bem controversa) personalidade que foi capaz de pôr um povo abúlico e sonolento a vibrar com hinos e com bandeiras foi precisamente um estrangeiro, de nome Scolari e de alcunha “Filipão”. Os restos desta “patriótica” campanha ainda por aí estão, em farrapos pendentes de antenas de automóveis e de estendais da roupa...
A verdade, verdadinha, é que um hino é mais do que uma cantiga e uma bandeira é mais do que um trapo. Ou deviam sê-lo!
O episódio irlandês das bandeiras vale pelo que vale, mas encerra uma lição em que convém meditar um pouco. Provavelmente, será legítimo que cada jogador, como ser humano dotado de sentimentos e até como saudoso emigrante, queira mostrar algum orgulho exibindo um claro sinal da sua terra distante, sabendo que aí o estarão a observar e tendo exacta consciência do valor simbólico e afectivo do seu acto, quando assim liga a alegria da vitória à lembrança do torrão natal. Portanto, nesse momento supremo do triunfo, não é um símbolo clubista que lhe interessa (esse transportou-o colado ao tronco e às vezes até o despe!) mas um outro bem mais perene, bem mais íntimo e definitivo: o da Pátria.
E é daqui que ressalta a profunda, a abissal diferença. É que entre os vencedores estavam três portugueses, todos internacionais, que se “esqueceram” da bandeira do seu Portugal. Rolando, um desses três, até ostentou a de Cabo Verde, onde nasceu...
Simão, quando no ano passado o “seu” Atlético de Madrid ganhou esta mesma taça da Liga Europa, passeou-a embrulhado na nossa bandeira, e assim fizeram Ronaldo e Nani na vitória inglesa do Manchester em 2008, e Figo e Mourinho  o mesmo protagonizaram em diversas ocasiões, todas documentadas por gratas imagens de arquivo...
Servirá de atenuante ou de agravo meditar numa mensagem “explicativa” que infelizmente passou quando inúmeros testemunhos do “povo anónimo” presente em Dublin fizeram sentir que aquilo era uma festa circunscrita ao Norte e não ao País real e unitário? Seria isto inspirado na presença do “caudilho” nortista Pinto da Costa, intérprete e imagem de um regionalismo politiqueiro e mal amanhado, que tantas vezes aqui tem dado lugar a equívocos sentimentos “separatistas”?
Seja como for, não ficámos bem nesta fotografia disponibilizada a todo o Mundo...
Houve um cronista da nossa praça que, a este propósito, até lembrou os meninos do Huambo, na inspirada canção de Rui Monteiro soberbamente interpretada por Paulo de Carvalho:
          Os meninos à volta da fogueira
          Vão aprender coisas de sonho e de verdade
          Vão aprender como se ganha uma bandeira
          Vão saber o que custou a liberdade
Portanto, sem falsos nacionalismos e sem patriotismos de ocasião, o mais tolerante e compreeensivo comentário que se poderá dedicar ao flagrante “esquecimento” de João Moutinho e de Varela é o de que estes deveriam fazer um próximo e urgente estágio em Cascais, a fim de que os autores daquele vídeo recentemente dedicado à Finlândia lhes recordem um pouco do nosso passado histórico, precisamente o de uma Pátria pela qual devemos manter, apesar de tudo o que agora nos acontece, algum legítimo orgulho e um claro sentimento de inequívoca pertença.
António Martinó de Azevedo Coutinho