Carlos Manuel Faísca
Retrato económico do Portugal de setecentos:
casos de Lisboa e Coimbra
casos de Lisboa e Coimbra
(Parte I: O Índice de Preços)
A recolha de dados foi efectuada a partir de livros de receita e despesa de diversas instituições lisboetas e conimbricenses. Para tal, consultou-se em Lisboa: o Arquivo Nacional da Torre do Tombo e o Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; em Coimbra, o Arquivo da Universidade de Coimbra. Os preços recolhidos encontravam-se expressos em reis correntes e segundo o sistema de pesos e medidas vigente à época. Para podermos trabalhar esta informação de forma coerente foi necessário efectuar três exercícios: resolver o problema metrológico, constituir um cabaz fixo de bens de consumo e resolver a questão monetária.
Assim, em primeiro lugar, procedeu-se à transformação dos dados expressos através do sistema de pesos e medidas do antigo regime (essencialmente em arráteis, alqueires e almudes) para o actual sistema métrico decimal. Para tal, foram utilizadas as tabelas elaboradas no séc. XIX pela Comissão Central de Pesos e Medidas que estabeleceu a equivalência entre os dois sistemas para todos os concelhos do Reino, e que se pode encontrar, por exemplo, na obra Mappas das medidas do novo systema legal: comparadas com as antigas nos diversos concelhos do reino e ilhas, compilada por Joaquim Fradesso da Silveira.
O cabaz de consumo escolhido para ambas as cidades é uma adaptação do cabaz de Estrasburgo utilizado por Bob Allen [1], com algumas modificações devido aos dados disponíveis para cada cidade. Assim, o cabaz de Lisboa abrange 6 produtos: pão de trigo (42%), carne (14%), ovos (2,2%), galinhas (5,9%), vinho (17,4%), azeite (5,3%) e carvão (6,1%). Já o cabaz de Coimbra não possui qualquer produto relacionado com a produção de energia (carvão ou lenha), contudo tem ponderado o custo de habitação (5% do total). Para obtermos um cabaz mais próximo de um contemporâneo Índice de Preços no Consumidor (IPC) também deveriam estar incluídas, em ambos os cabazes, despesas com o vestuário, além da inclusão de despesas com habitação para Lisboa e de produção de energia para Coimbra. No entanto, tal ainda não foi possível.
Finalmente, surge a questão monetária. A moeda portuguesa sofreu uma grande desvalorização ao longo dos séculos, sobretudo em épocas de crise, como forma do Estado ou da Coroa, consoante o período cronológico considerado, se financiar. Como é sabido, uma forte desvalorização da moeda leva automaticamente a uma inflação artificial dos preços, isto é, a inflação fica a dever-se sobretudo à desvalorização da moeda e não a qualquer desequilíbrio entre a oferta e a procura. Para anularmos esse efeito tivemos de converter os valores recolhidos em moeda corrente para o seu equivalente em gramas de prata.
Durante o séc. XVII não existiu, para qualquer das cidades estudadas, uma tendência constante na variação do valor dos preços. Existem períodos de inflação, como o início da década de 30, e outros de deflação, como a década de 80. Contudo, e de uma forma geral, pode-se afirmar que existiu uma ligeira tendência de baixa de preços como demonstra a linha de tendência do Gráfico 1. Essas oscilações do valor dos preços foram mais marcadas para a cidade de Coimbra. O que isto significa fica para a Parte IV – “Conclusões”.
[1] ALLEN, Robert - The British industrial revolution in global perspective. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
Carlos Manuel Faísca
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