Carlos Manuel Faísca
Desmistificando a História III
Portugal e a escravatura dos Africanos [1]
Painel de azulejos da Igreja da Misericórdia de Arraiolos com
a obra corporal “Remir os cativos”. Outra imagem semelhante
pode ser encontrada na Igreja da Misericórdia de Tavira.
Muitas vezes Portugal é apontado como o criador da escravatura dos africanos, inclusivamente por portugueses bastante mal informados a esse respeito, que tornaram a questão num dos assuntos mais mistificados da história nacional.
Na realidade, grande parte de África e dos Africanos já praticava a escravidão através da existência de redes de tráfico quando os portugueses, devido à expansão marítima, começaram a imiscuir-se nesta “actividade” ainda durante o séc. XV. Posteriormente, os portugueses, e mais tarde as restantes potências coloniais europeias, estabeleceram novos canais de ligação agora entre África e a América, aproveitando-se assim das ancestrais tradições esclavagistas da Europa e de África.
Com a excepção da reorientação deste odioso comércio e, mais tarde, do maior volume do mesmo, não se tratou de algo novo, nem de nada que já não fosse feito entre as diversas tribos africanas, que frequentemente utilizavam a mão-de-obra escrava como moeda de troca de bens que adquiriam aos povos europeus. Pior, não se tratou de nada que os próprios portugueses não fossem frequentemente também vítimas!
Entre os séculos XVI e XVIII, grandes extensões das costas europeias permaneceram indefesas face aos ataques de piratas magrebinos que, nesse período, raptaram mais de um milhão de europeus. Homens, mulheres e crianças foram assim reduzidos à condição de escravos, em cidades espalhadas pelo norte de África, de Tanger a Tripoli, mas sobretudo em Argel. O Algarve e a costa litoral do Alentejo foram, em Portugal, as zonas que mais sofreram destas agruras, surgindo deste modo a expressão popular “anda mouro na costa”. Inclusivamente, convém relembrar que uma das obras corporais que as Misericórdias se comprometiam a cumprir era a de “remir os cativos”, isto é, pagar a libertação dos escravos portugueses existentes no Norte de África.
A bem da verdade histórica é importante começar a desmistificar esta ideia, que se propagou na segunda metade do séc. XIX por acção dos abolicionistas, como forma de melhor fundamentar a abolição da escravatura e acelerar esse processo.
Carlos Manuel Faísca
[1] O Título é uma cópia da obra de João Pedro Marques.
Bibliografia: Marques, João Pedro – Portugal e a escravatura dos Africanos. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2004.
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