Florindo Madeira
A um Amigo de todas as horas
“É tão vulgar, que já ninguém estranha, a atitude indiferente de muitos indivíduos perante problemas que de algum modo lhes são familiares e cuja resolução lhes interessa sobremaneira.
Mas levantar um dedo para fazer algo, para ajudar, não é com eles; os outros que trabalhem. Eles apenas se limitam a gozar as vantagens que desse trabalho alheio lhes possam advir. (...)
Serão, talvez, vãs estas palavras.
Mas, ao escrevê-las, quero apenas pôr em evidência que este mal, se não o debelarmos, em breve se tornará geral e destruirá, num instante, todo o nosso trabalho e todo o nosso esforço de muitíssimos instantes.
Debelemo-lo, pois!”
Estes breves excertos foram retirados de um artigo intitulado Indiferentismo, que foi publicado num quase ignorado Boletim reproduzido a duas cores num vulgar copiador da época, a álcool.
Foi em Agosto de 1957, vai portanto decorrido mais de meio século, e o seu autor tinha ao tempo 21 anos.
O dito Boletim era o meio de comunicação social de um grupo de jovens denominado Amicitia, nascido em Portalegre, e o articulista chama(va)-se Florindo Hipólito Sajara Madeira.
A crítica, ainda actual, àquela norma (!?) de vida revelava, já então, os ideais dinâmicos e positivos que sempre o orientaram, ontem como hoje. Leitor apaixonado d’O Mosquito e de outros quadradinhos do seu tempo, o jovem Florindo, como os seus irmãos, bebeu desde sempre uma outra lição onde o maravilhoso da ficção daria lugar à dureza da vida. O seu Pai, um competente advogado formado na Universidade de Lisboa, era um Homem que aqui se batia frontalmente, como poucos, pela Liberdade e pelos outros valores de uma Democracia então distante.
O Florindo não acolheu apenas esta paixão, porque a partilhou pelo menos com outra herança paterna: uma dedicação quase sem limites pelo Grupo Desportivo Portalegrense. Aqui estudou até ao quinto ano dos Liceus, no velho palácio da Praça da República, onde conheceu Régio, seu professor, e onde se estreou nas escritas públicas, no jornal académico Capas Negras.
Daqui seguiu estudos em Lisboa, frequentando Direito na sua Faculdade, onde colaborou com a respectiva Associação Académica, até tendo aí jogado futebol...
Foi incorporado no serviço militar em Agosto de 1958 e colocado em Mafra, para frequentar o Curso de Oficiais Milicianos. Primeiro classificado do seu ano, nesse Curso, foi depois colocado em Portalegre, até à desactivação do Batalhão de Caçadores 1, tendo então sido transferido para B.C.8, em Elvas.
Em 22 de Maio de 1958 tinham sido finalmente aprovados por despacho de Sua Excelência o Subscretário da Educação Nacional os estatutos do Amicitia – Grupo Cultural de Portalegre, associação de gratíssima memória para a juventude local de então, iniciativa de um grupo onde pontificava Florindo Madeira, que aí desempenhou os mais diversos cargos directivos e por várias vezes. A legalização do Amicitia, por razões políticas que facilmente se poderão descortinar, constituiu tarefa tão demorada como difícil...
Licenciou-se o Florindo em Direito, em Outubro de 1961, e logo a seguir esteve envolvido em incidentes políticos, que o levariam a ser detido, em companhia de dirigentes e activistas universitários, como o seu colega Jorge Sampaio.
Voltando a Portalegre, pretendeu aqui iniciar uma carreira na magistratura como Subdelegado e Delegado interino do Procurador da República, mas as altas entidades governativas de então, em 1963, frustraram-lhe as intenções “por revelar espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Portuguesa e não dar garantias de cooperar na realização dos fins superiores do Estado”... Sem mais!
De facto, o Dr. Florindo Madeira, pela sua acção ostensivamente militante ao serviço das causas oposicionistas, sempre orientadas para a defesa intransigente dos Direitos do Homem, “justificaria” tal discriminação à luz das implacáveis lógicas políticas então vigentes.
É este o período em que ele integra e vive intensamente a quotidiana tertúlia de José Régio, ao tempo estabelecida no Café Facha. Com o poeta, e também com amigos comuns como Feliciano Falcão, António Teixeira e Ernesto de Oliveira, conseguem fundar o CineClube de Portalegre, num episódio curioso ainda hoje pouco divulgado.
No entanto, por razões já de sobejo conhecidas, a eleição de Florindo Madeira para vice-presidente desta associação cultural nunca seria superiormente homologada...
Na nossa cidade, pelos finais dos anos 60, exerceu advocacia e, no plano cívico, foi Presidente do Grupo Amigos de Portalegre. E o grupo do Amicitia conhecera entretanto uma dinâmica invulgar, que depois se extinguiria...
Em 1968, voltou a ser militarmente convocado e foi mobilizado, como capitão miliciano, para Angola, até Setembro de 1970, tendo passado por Sá da Bandeira e Vila Roçadas.
É após o regresso de África que o Dr. Florindo Madeira se instala em Cascais, onde passa a exercer advocacia, até hoje.
No entanto, logo depois da Revolução de Abril, foi convidado para exercer em Portalegre o cargo de Governador Civil do Distrito, o que sucedeu entre 30 de Setembro de 1974 e 22 de Setembro de 1976.
A intervenção política e cívica de Florindo Madeira nestas últimas décadas tem sido intensa e assumiu as mais diversas formas, desde candidaturas legislativas pelo Distrito, a participações na Secção Portuguesa do Conselho Mundial da Paz (onde chegou a integrar o colectivo da presidência) ou em Seminários e Conferências nacionais e internacionais, em Associações de Amizade com outros Povos, etc.
A sua presença em Portalegre, para além das frequentes visitas familiares e de amizade, é assídua. Participante activo em organizações públicas locais, bastará citar a sua integração nas Comissões de Honra das Comemorações dos 25 anos da Região de Turismo de São Mamede e, presentemente, dos 80 anos da chegada de José Régio e Portalegre. Mas deve anotar-se, também, a sua participação no Fórum Portalegre, organizado pelo Instituto Politécnico e no Fórum Alentejano, iniciativa do Movimento de Cidadãos do Norte Alentejano, entre muitas outras.
Convidado ao mais alto nível, tem estado presente em diversas comemorações nacionais de aniversários da Revolução de Abril.
Profissionalmente, foi delegado eleito a todos os Congressos, Ordinários e Extraordinários, da Ordem dos Advogados, entre 1972 e 2005. Integrou, por eleição, o Conselho Superior dessa Ordem, de 1996 a 1999.
Tem sido consultor jurídico e advogado de alguns sindicatos nacionais e regionais.
Em Março de 1999, na morte do um colega e grande amigo, escreveu um notável e comovido texto, que ficou para o futuro como peça definitiva sobre o raro Homem, Cidadão e Jurista que foi o Dr. Ernesto de Oliveira.
Em Cascais, que Florindo Madeira adoptou como a sua segunda terra, ele tem exercido advocacia com plena independência, total isenção e elevado sentido social da Justiça, na plena assunção das suas responsabilidades cívicas e profissionais.
Não pode ser por isso motivo de qualquer admiração que a Delegação da Ordem dos Advogados daquela vila o tenha homenageado com o descerramento do seu retrato, na sala das Reuniões.
A importante localidade onde o Dr. Florindo Madeira vive tem também sentido, enquanto comunidade, a sua intervenção pública, sobretudo nos campos social e cultural. A sua intensa “paixão” pelo Jazz, que já o levava a escrever sobre o tema nos boletins do Amicitia, fê-lo participar na selecção dessa específica discografia para a Secção de Música na Biblioteca Municipal de Cascais. Integrou as Comissões das Festas do Mar, em 1997 e 1998, e colaborou juridicamente, de forma desinteressada, com a Santa Casa da Misericórdia local.
Na qualidade de consultor jurídico, criou as condições necessárias para a doação, à Câmara Municipal de Cascais, da casa e respectivo recheio do Prof. Reynaldo dos Santos, por expressa vontade da sua viúva, D. Irene Quilhó dos Santos, com vistas à instalação de uma casa-museu.
Continuando como adversário intransigente do “indiferentismo”, tal como há uns bons cinquenta anos, Florindo Madeira é um cidadão e um amigo que todos estimamos. Por isso, não podíamos, também nós, ficar indiferentes perante o acto de justiça e homenagem pública que a Câmara Municipal de Cascais lhe vai prestar no próximo dia 7 de Junho, pelas 21h00, em sessão solene a decorrer no Auditório da Senhora da Boa Nova. A autarquia, na sua reunião de 3 de Maio atribuiu-lhe a sua Medalha de Mérito e Dedicação, com o fundamento a seguir transcrito:
Florindo Hipólito Sajara Madeira – Militante em movimentos de oposição durante a ditadura, advogado na comarca de Cascais desde 1970, dedicado colaborador em questões culturais e cívicas no concelho, Florindo Madeira, na qualidade de consultor jurídico, criou as condições necessárias à doação ao Município da casa na Parede do Professor Reynaldo dos Santos, com vista à instalação de uma casa-museu, que muito beneficiou o património cultural do concelho.
A distinção conferida não surge embrulhada numa espécie de vasto e anónimo pacote social nem sequer numa mera lista de simpáticos amigalhaços, significando, pelo contrário, o indiscutível reconhecimento público e oficial dos inegáveis méritos de um cidadão exemplar, com uma coerência de vida dedicada ao efectivo serviço da comunidade.
Os amigos portalegrenses de Florindo Madeira regozijam-se com a distinção que lhe é agora concedida pela Câmara Municipal de Cascais, e sabem que poderão contar sempre com ele, na partilha local dos momentos em que, fiel às suas raízes lagóias, aqui continuará connosco. É o que ele, o Tito, e alguns outros “desterrados”, com evidente saudade e ainda com viva memória, têm feito, fazem e farão, com a naturalidade das coisas simples e belas.
Para o Florindo, e também para sua Mulher, Irmãos e outros Familiares, vai daqui um apertado, sincero e solidário abraço de todos os conterrâneos que o vêem e sentem como um amigo indefectível para a Vida, para sempre...
Somos, com ele e como ele, dos que debelamos a indiferença.
Os amigos portalegrenses
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