\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

segunda-feira, dezembro 28, 2009

António Martinó de Azevedo Coutinho

Filho de Deus e do diabo
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Caro Mário
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Este escrito não é um mail, nem uma resposta à sua última Crónica de Nenhures, nem sequer um artigo. É apenas um testemunho público sob a forma de “aditamento” ou comentário pessoal ao seu texto. E, também, saudavelmente provocatório como essse.
É objectivamente rigoroso que estamos a viver (mais) uma efeméride regiana, dispondo esta da particular característica de ser nossa, autenticamente portalegrense. O que forçou o Dr. José Maria dos Reis Pereira ao “exílio” alentejano foi a sua condição de professor. Por estas circunstâncias, seria legítimo que Portalegre e os professores evocassem dignamente o pretexto dos 80 anos da sua chegada ao velho Liceu Mousinho da Silveira. E isto, felizmente, está a acontecer.
Tenho para com a memória de José Régio uma significativa dívida de gratidão. É por isso natural e legítimo que procure saldá-la, associando-me a tudo quanto possa dignificar a lembrança do Homem e da Obra. Como no presente caso.
Lembro a saudosa figura do Cónego Anacleto, quando afirmava que “ninguém é feliz sozinho”. Ninguém, isolado, pode fazer algo de consistente e de válido. Em 1983/84, secundando o António Ventura e o Aurélio Bentes, conseguimos levar a cabo aquilo que foi, para o tempo, a autêntica ressurreição de um Régio esquecido e desprezado, 15 anos após o seu desaparecimento físico. E fizemo-lo, recorde-se, perante o ostensivo desprezo dos autarcas da época...
Uma década mais tarde, era então presidente da autarquia portalegrense o Dr. João Transmontano, fui assessor junto do vereador da Cultura, José Manuel Barradas. Foi então que se estabeleceu com Vila do Conde um promissor protocolo de Geminação, inspirado na partilha comum da personalidade de José Régio. Os objectivos desse acordo, para além daquilo que foi então concretizado (como, por exemplo, o caso do CD José Régio por José Régio, que o Mário evocou), ficariam depois quase sempre esquecidos... ou desprezados.
As diversas e posteriores evocações ou homenagens nacionais, regionais e locais, que algumas efemérides regianas proporcionaram (ou forçaram!?), foram, com raríssimas excepções, pautadas pela vulgaridade.
Quanto ao episódio do processo judicial que envolveu o Bentes, e eu próprio, a pretexto da particular expressão comunicativa do Prof. Reis Pereira, não junto qualquer comentário. É, pessoalmente, assunto dos arquivos mortos.
O fundamental é que, agora, se pode sentir um Régio vivo como poucas vezes entre nós. O que tem acontecido e –assim o espero!– vai continuar a acontecer durante largos meses significa uma vontade autêntica de celebrar valores culturais e humanos despoletados pela evocação colectiva das vivências regianas.
E aqui associo os recentes testemunhos de gente que sentiu Régio e que é capaz de o recordar na sua dimensão de corajoso cidadão, de fino intelectual, de mestre rigoroso, de terno e solitário apaixonado, de polemista temível, de homem carregado de contraditórias genialidades, enfim, como filho de Deus e do diabo.
O que António Teixeira, António Ventura, Augusto (Tito) Costa Santos, Fernando Martinho, Florindo Madeira, Lauro António e Mário Freire connosco partilharam foi um retrato, ainda incompleto mas fiel e prometedor, desse Homem excepcional que se chamou José Maria dos Reis Pereira.
E, sobretudo, devemos ficar atentos ao que se está a passar na Escola, ali ao Ribeiro do Baco, à qual foi concedida a designação de José Régio. Ao mesmo tempo que publicamente (embora com uma escassa divulgação comunitária!) se evocava o autor da Toada, ali, vivia-se por dentro um espírito regiano, como talvez raramente se tenha praticado entre nós. A entusiástica união daquela comunidade escolar em torno de um projecto pedagógico centrado na figura e na obra de Régio afigura-se-me como a intervenção comemorativa mais consistente e mais produtiva entre todas as que se prevêem nos diversos programas em curso, porque co-participada pelas gerações que poderão garantir, no futuro, a manutenção da marca que o professor/homem de letras deixou nesta terra.
Este é o “aditamento” ao seu texto, caro Mário. E deixo-lhe um comentário final, em que expresso a minha total concordância com a sua apreciação sobre as consequências da complexa relação que Portalegre e as nossas gentes travaram com José Régio, durante a sua longa permanência entre nós. De quase tudo o que demos ou proporcionámos ao exigente cidadão –as excepções foram isso mesmo, raras e pontuais– aquilo que nele ficou foi uma definitiva e injusta amargura.
Basta recordar dois dos que foram alguns dos seus depoimentos escritos, portanto objectivos, traduzidos em excertos de cartas ao amigo e confidente Eugénio Lisboa. São datados de 1967, o primeiro oriundo do Sanatório do Lumiar, em 23 de Fevereiro:
A Portalegre, não fico devendo grande coisa. Também é sobretudo em Vila do Conde que penso para passar os últimos anos da minha vida”.
O outro excerto provém de carta datada de 12 de Abril desse mesmo ano, já escrita da terra natal:
Como agora me sinto muito sozinho em Portalegre, estou “puxando” para Vila do Conde. (...) Também tenho um convívio –afectivo e intelectual– que em Portalegre me vai faltando quase completamente”.
Esta espécie de testamento de Régio reflecte, de forma indiscutível, a súmula dos seus sentimentos mais profundos acerca da terra que o acolheu (!?) durante mais de trinta anos de uma vida de intensa participação pedagógica, intelectual e cívica. Afora a sua Toca da Boavista, D. Rosalina Vinte e Um, os seus parceiros da tertúlia do Central e alguns raros outros amigos “avulsos”, o que sobrou a Régio?
Compete-nos portanto, como póstuma compensação e por imperioso dever de cidadania, valorizar e celebrar o que nos sobrou de Régio.
É o que o Mário faz, é o que eu faço. É o que Portalegre tem obrigação de fazer.
António Martinó de Azevedo Coutinho
Portalegre, 22 de Dezembro de 2009,
o dia da morte de José Régio, 40 anos depois
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1 – Na Escola Superior de Educação, o Prof. Luís Cardoso e o cineasta Lauro António recordam Régio.
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2 – No Castelo de Portalegre, amigos de Régio (Fernando Martinho, Tito Costa Santos e Florindo Madeira) evocam-no nas imagens.
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3 – Na Escola Básica José Régio, o cartaz de uma turma do Prof. Jacinto Pascoal exprime bem as vivências do autor da Toada.
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