\ A VOZ PORTALEGRENSE: Paulo Moura

domingo, setembro 27, 2009

Paulo Moura

O baixo nível

Do outro mundo

Paulo Moura

Baixámos de nível a todos os níveis. Na política. Foi uma das campanhas eleitorais mais estúpidas de sempre. Não por os líderes serem incompetentes, que não são, mas porque optaram pela brutalidade. Nenhum apresentou propostas pensadas e compreensíveis para os problemas do desemprego, das desigualdades, da precariedade, da falta de qualidade do ensino, produtividade e crescimento económico. Preferiram falar do TGV, de asfixia democrática, de ingovernabilidade e do Salazar. Reduzidos à estupidez, os eleitores votarão de novo em Sócrates, porque é sempre melhor o demónio que já conhecemos.
Mas baixámos também o nível na actividade económica, na indústria, no comércio, nos serviços. Pior do que isso, habituámo-nos ao baixo nível. Ninguém estranha ser roubado quando põe o carro na revisão ou faz obras em casa, ou ignorado pela loja quando compra um produto com defeito. Ninguém acha esquisito que o serviço Meo raramente funcione bem, ou que o banco nos tire dinheiro da conta sem aviso. Isto só para dar alguns exemplos ao acaso.
Mas pior ainda é que isto produz o chamado “efeito Bibi”: quem é maltratado maltrata os outros a seguir. E, portanto, não há sector da sociedade que fique imune ao baixo nível. As artes definharam, a música repete-se, a literatura já praticamente não existe, o teatro continua a não existir. A televisão é deprimente, o jornalismo... é preciso reconhecê-lo: o jornalismo atingiu o seu mais baixo nível.
E mesmo a família, o amor e a amizade já nos mereceram mais respeito. Eu sei que, nestes campos, cada um terá de falar por si. E eu falo por mim. Os outros que digam de sua justiça. Até mesmo o sexo, esse baluarte do brio português. Façam o vosso exame de consciência. O baixo nível atrai o baixo nível. É uma lei implacável. Fomo-nos habituando. Fomos perdendo a exigência e a expectativa. E a seguir a dignidade e depois a própria capacidade (e vontade) de melhorar. E por fim o baixo nível chegou ao mais alto nível.
Sim, ao próprio Presidente da República. Desconfiou que andava a ser espiado pelo Governo. Em vez de investigar pelas vias legais, mandou um assessor meter uma notícia num jornal, à socapa. Quando a notícia saiu, não disse nada. Mas quando o assessor foi descoberto, demitiu-o. Depois explicou que ficava calado, para não prejudicar a campanha eleitoral.
Ora, se não ordenou um inquérito, para encontrar o prevaricador, mal a notícia foi publicada, é porque é conivente, ou autor moral da baixeza de nível. E, portanto, eu sei o que ele vai fazer depois das eleições. É um problema de lógica simples: se o que tem a dizer pode prejudicar a campanha eleitoral, então não será nenhuma revelação sobre escutas da parte do Governo, ou alguma manobra da oposição. Isso não prejudicaria, antes beneficiaria a campanha, ajudando os eleitores a tomar a sua decisão.
O que prejudicaria a campanha, porque impediria a nomeação de um primeiro-ministro e inviabilizaria as eleições, seria a demissão do Presidente. Alguém tem de tomar uma atitude de alto nível.
Jornalista
in, PÚBLICO - P2 - Sexta-feira 25 Setembro 2009 - 3

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