\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

quarta-feira, julho 01, 2009

António Martinó de Azevedo Coutinho

OLHANDO-NOS A NÓS MESMOS...
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Azulejos, painéis e companhia
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A problemática dos azulejos em Portalegre constitui uma longa, interessante e tortuosa crónica. Alguns dos seus capítulos foram escritos por quem sabe e aprecia estas coisas, que, no entanto, deixam muita gente indiferente. Podemos lembrar, só nos tempos mais recentes, os estudos -de diverso mas complementar nível- de Isilda Garraio e António Caldeira e de Teresa Saporiti.

Aliás, tais escritos foram oportunamente lembrados neste blog. O aspecto mais marcante, que aqui quero realçar, é o que se refere precisamente à indiferença com que o tema tem sido tratado ao nível oficial.No capítulo dedicado aos Painéis Figurativos publicamente patentes em Portalegre, Isilda Garraio e António Caldeira (mais a sua jovem equipa) referem expressamente os existentes, ao tempo, em bancos do Jardim da Corredoura (temas populares) e também no Banco ou Memorial José Duro (uma quadra poética), assim como dois outros junto ao Mercado Municipal, estes inspirados em trabalhos plásticos do pintor Arsénio da Ressurreição.

Para além das imagens de arquivo que figuram na obra, recordo aqui, com a devida vénia, a visão artística de Leone Holzhaus, que fixou aqueles sitios da Corredoura, então ainda animados, na sua pintura realista e, ao mesmo tempo, profundamente humanizada. Por trás das figuras, meio encoberta, pode apreciar-se a construção que albergou uma biblioteca “viva”, com azulejos decorativos.
Aludem também os autores aos painéis figurativos colocados em paredes e muros na parte antiga da cidade, iniciativa de uma dinâmica Comissão Municipal liderada por Galiano Tavares nos anos 40 do passado século. Entre estes, destacam: “Ao fundo da rua de Elvas, mais ou menos no local onde antigamente se situava uma outra porta da cidade, a de Elvas, encontra-se outro painel, também alusivo ao trabalho campestre, uma ferra de gado...”.

E nem sequer foram referidos alguns outros, de que recordo por exemplo mais um banco, também inspirado num trabalho artístico de Arsénio da Ressurreição, sito em frente da entrada do Miradouro da Serra, e os patentes no muro interior da Curva da Bela Vista (vulgo Curva da Morte), também na Serra.
Anos depois, é Teresa Saporiti, com a autoridade por todos reconhecida, que nos recorda a Azulejaria Desaparecida (em Azulejaria do Distrito de Portalegre), onde lamenta, entre outras, a perda das peças que revestiam as costas de alguns bancos da Corredoura, o Banco José Duro e os Bancos Arsénio da Ressurreição. E revela, em saudosas imagens de arquivo, mais exemplares perdidos ou deliberadamente vandalizados, alguns sob chancela autárquica.

Porém, há mais.

O painel descrito por Isilda Garraio e António Caldeira, que se situava ao fundo da Rua de Elvas, desapareceu... Por volta de 2005, terá sido retirado (ou acidentado?) e nunca mais foi recolocado. Chegou mesmo um jornal local a anunciar, sem qualquer confirmação fidedigna posterior, que os azulejos dali saídos teriam sido postos à venda em Alter do Chão, onde aliás se situava a Herdade da Quinta do Pião, de onde uma cena da ferra de gado do lavrador Rafael Mendes Calado fora reproduzida. De há anos, portanto, que o património artístico público da cidade foi espoliado de mais uma peça, sem que nada, a tal propósito, seja explicado aos cidadãos...

O que se terá passado? Onde estão, de facto, os azulejos? Quem sabe, quem responde pela sua falta, quem explica a verdade? Quem é responsável pelo seu destino? O que será preciso para que se reponha, quanto antes, o painel em falta?
Depois, ainda quanto aos painéis figurativos, património portalegrense dos mais autênticos, regista-se também a incúria ou desleixo como práticas oficiais quotidianas.Saliente-se a este propósito o caso de um outro, sito no Largo dos Combatentes da Grande Guerra, dedicado ao Mosteiro de Flor da Rosa. Sucessivamente, um após outro, dele se têm desprendido alguns azulejos. Seis, até ao momento, como se pode observar na gravura junta...

Por que espera a autarquia para intervir? Talvez aguarde tranquilamente que todos os restantes azulejos vão caindo, para depois repor a totalidade...
E até é possível reconstituir o painel, pois existe dele um registo gráfico original, intacto, e conhece-se a fábrica que produziu as obras.

Mesmo quanto aos Bancos Arsénio da Ressurreição, cuja retirada (para reparação?!) aconteceu durante um já passado mandato autárquico, deveremos insistir na sua recuperação, esperando que a responsabilidade por tão demorada operação seja explicada e assumida por alguém.
Trata-se, em todos estes casos, de património artístico insubstituível, de peças incontornavelmente inscritas na memória colectiva citadina.
Tudo isto vale como um símbolo: se desprezarmos estes valores, que nos restará para legar, como legítima herança, aos portalegrenses do futuro?
Passo a palavra a Isilda Garraio e António Caldeira, que escreveram no final da sua obra: “Lamentavelmente, aqui e ali, os sinais do tempo ou o vandalismo dos homens começam a deixar a sua marca. Necessário se torna que os mais directos responsáveis sobre este nosso património não o deixem no esquecimento e, de qualquer forma, ajudem a sua preservação e manutenção”.
Que responda a este desafio quem souber, quiser ou puder.

António Martinó de Azevedo Coutinho