\ A VOZ PORTALEGRENSE: Adriano Moreira

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Adriano Moreira

Memórias de Adriano
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Se a História é feita pelos vencedores, a Autobiografia não deixa de ser a História “vista” pelo autobiografado. Os acontecimentos que construíram a vida do autobiografado são por ele apresentados na “primeira pessoa”, segundo a sua interpretação. Como não há distanciamento de quem os narra perante a envolvência que os determinaram, o narrador é um dos protagonistas, quantas vezes assumindo para ele o papel de protagonista principal, distorcendo a realidade dos factos. Contudo, o historiador, seja do bando dos vencedores ou do bando dos vencidos, também nunca consegue a neutralidade absoluta que permite a História em estado puro.
Adriano José Alves Moreira, aos oitenta e seis anos, escreve um livro de memórias. Mais de oito décadas vividas, e de uma forma intensa, por certo dariam para vários volumes memorialistas. Mas Adriano Moreira “condensa” meio século num só volume. A sua infância, adolescência e idade adulta têm “tratamento” distinto. Em «A Espuma do Tempo – Memórias do Tempo de Vésperas», Adriano Moreira lembra os tempos passados em Trás-os-Montes sempre com carinho, como se eles fossem frágeis perante as agruras que sentiu em Lisboa, vivendo num bairro proletário e onde se sentia as injustiças de um tempo em que o dia-a-dia era feito de muito trabalho e sacrifícios.
Adriano Moreira viveu a segunda metade da Guerra Civil Europeia junto dos Pais, uma época marcada pela Guerra Civil espanhola e a Segunda Grande Guerra. Foi uma época de penúrias a muitos níveis, que o Regime ia tentando minorar, a começar por defender uma neutralidade colaborante com os dois lados do conflito, só possível por rasgos de inteligência de Salazar e pela providência, ou melhor, o acaso e a sorte.
No livro, a vida académica de Adriano Moreira não é muito valorada a principio. Nesse tempo, a advocacia era um campo que Adriano Moreira cultivava com prazer. Só depois da passagem efémera pelo Governo é que a paixão pela Escola se torna assumida. É por acusa dela que vai criar os seus “ódios de estimação”, sendo José Hermano Saraiva a maior “vítima”. Outro dos seus “ódios de estimação” é Marcello Caetano. Todavia, se em relação a Caetano há um “remorso”, em relação a Hermano Saraiva a “raiva” permanece. Mas também Diogo Freitas do Amaral não deixa de ser “beliscado”, tal como com de forma indirecta Francisco Lucas Pires, enquanto Adelino Amaro da Costa é elogiado.
São estes estados de “amor” e “ódio” que torna grandes partes do livro mais “atractivas”. A relação de Adriano Moreira com António de Oliveira Salazar, no fundo, atravesse todo o livro. Sente-se continuadamente por parte de Adriano Moreira um fascínio por Salazar, mas em paralelo há sempre a “necessidade” de referir as suas relações com gente da Oposição Salazarista, como se de um “atestado de fervor democrático” se tratasse.
Não deixa Adriano Moreira de assumir a estima que Salazar sente por ele, mas se bem que ela seja correspondida, há sempre um pequeno “grão de areia” que “dificulta” a serenidade de análise sobre Salazar.
Salazar sabia que o Regime era Ele, e que quando ele desaparecesse fisicamente o Regime soçobrava. Salazar não indicou sucessor e muito menos deixou sucessor. Disso mesmo deu conta Marcello Caetano no seu discurso de tomada de posse. Mas fica-se com a ideia que Adriano Moreira não compreendeu esse facto político, e sempre se julgou delfim do Homem da Beira Alta. Adriano Moreira sentia que tinha condições para suceder a Salazar, e que poderia ser a figura chave para resolver os problemas que Salazar legara, a guerra em África, através do conhecimento que adquirira sobre o tema, e a falta de democracia política, dadas as suas excelentes relações com a oposição não comunista.
Uma escrita belíssima, uma Vida plena, uma serenidade, uma força interior que se transmite, assim é Adriano Moreira e «A Espuma do Tempo», que lemos com proveito e agrado.
Mário Casa Nova Martins