Revista
Reflexão sobre a Elite
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ANTÓNIO MARQUES BESSA
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A desigualdade individual origina no plano social uma divisão entre fortes e fracos, já constatada por Duguit. Os fortes capturam os poderes sociais (político, ideológico, económico) e governam a maioria da população. É o fenómeno das elites dirigentes e dominantes, da hierarquia, que tão bem evidencia a análise da sociedade animal. A reflexão mais desapaixonada sobre esta matéria foi efectuada pela escola sociológica italiana, com Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Roberto Michels. Estes autores provaram a perenidade da minoria, a minoria poderosa, que impõe a sua vontade sobre a maioria dando-lhe a impressão de ser ela a decidir e a governar.
Analisando a sociedade e o homem tal como eles são, estes autores anteciparam-se de quase meio século às realidades científicas do nosso tempo. Identificaram correctamente os detentores do poder real e formularam as leis segundo as quais decorre a disputa da força. Identificaram igualmente as justificações mais ou menos elaboradas que a minoria criou para o seu poderio e chamaram-lhe fórmula política. Dizer que o poder lhe vem de Deus, ou do Povo, ou que é do autocrata a título de conquista, são tudo razões óptimas desde que operem e cumpram a sua função justificativa. Acontece que hoje as fórmulas políticas são as ideologias e nelas não há, como se viu, o menor grão de credibilidade. Está por nascer a fórmula política do nosso tempo, que reduza democracia e socialismo, social-democracia e marxismo, a meros trastes velhos da história da pulhice do hommo sapiens.
Os autores que situam correctamente estes problemas numa análise neomaquiavelista são poucos. Todos ainda preferem as visões românticas e penetradas pela ideologia, justificativas em última análise do poder da minoria actuante ou da minoria que aspira ao poder. Contudo, com o desaparecimento desses grandes vultos do pensamento político, não é menos certo que ficaram certos autores que importa conhecer e que reflectem, na Teoria Política, a revolução intelectual a que se assiste noutros campos do saber. Carl Schmitt, o velho professor alemão, James Burnham, Wright Milis e Julien Freund, chegam para assegurar um exercício impecável em matéria de realismo político e transparência de concepção.
As minorias, portanto, longe de se confundirem com a multidão, são pela sua organização e coerência o único fermento social de mudança e poder. Só caem para ceder o lugar a outras, de modo que a História não passa de um velho e enorme cemitério de oligarquias. A lei de ferro da oligarquia, formulada por Michels, apenas se faz eco desta constatação empírica, tão desagradável aos doentes do igualitarismo acéfalo, fervorosos crentes no álibi da tábula rasa.
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O regresso ao Mistério
Porém, também em outros campos do pensamento verdadeiramente vital se assiste a uma importante ruptura e renovação. Na Etnologia, na Filosofia, na Literatura, na Metaciência, abre-se desde o princípio do século um novo espaço ontológico, um domínio do Ser e do Sagrado em que se reconhece, implícita ou explicitamente, a impotência da Razão. Surge outra vez a consciência dos limites da capacidade humana para conhecer e perceber. Se no período anterior o campo dos problemas invadiu o campo dos mistérios, hoje voltei a Zona do Mistério para além da Zona do Problema.
Na Etnologia, Mircea Eliade procura as bases perdidas pela Antropologia, demasiado racionalista e positivista. Na Metaciência, René Guénon e Julius Evola, revêem os mitos, os fundamentos valorativos, revisitando o Sagrado e os altos valores da Tradição Humana. Na Filosofia Antropológica, Arnold Genlen faz um exercício completo sobre a Cultura e a disciplina superadora, que assegura a manutenção da civilização. Contra o mito rousseauista não cessa de exigir um «regresso à cultura», opondo-o ao reaccionário ensinamento que proclama o regresso à natureza como factor de redenção.
Na Filosofia, Max Scheller, Husserl, Heidegger, Jaspers, continuam a pontuar uma linha de procura
do absoluto e de superação da razão eficiente.
Na Psicologia, Jung, Jensen, Eysenck, Bertalanffy, voltam aos fundamentos biológicos (aos instintos) e extraem consequências da Genética contemporânea e da Etologia, todas fundamentais para a nossa mundovisão.
Pouco a pouco, todos os campos científicos se vêem afectados pela revolução silenciosa e pela necessidade de recorrer às novas descobertas para explicar e entender o Real.
Entretanto, o Deus Vivo, Aquele que é, que fora afastado pela ciência racionalista que tudo explicava pelas relações mecânicas e os modelos hidráulicos, entra novamente no campo do Saber peia mão dos grandes Físicos. O milagre, que tinha sido banido por decreto: tudo funcionava como um relógio sem necessidade de zelador, insinua-se hoje no plano dos quanta através da formulação de Werner Heisenberg, ou seja, através do indeterminismo básico de toda a construção universal. Grande é a liberdade das coisas materiais, que não estão acorrentadas às sábias doutrinas de causalidade fechada. Grande e sábio é o construtor de tão grande mistério, que na própria base tem o Mistério.
É talvez por isso que hoje em dia as mais belas páginas de espiritualidade se encontrem nos grandes físicos ocidentais que se revelam ao mesmo tempo como grandes crentes da Sua Sabedoria. Não assegurou Cristo aos judeus, que o perseguiam por ter curado ao sábado o paralítico, «Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho»? Esta operação contínua de conservação não pode encontrar melhores entendedores que os que trabalham na fronteira do indeterminado.
Esta onda renovadora que traz muito de ruptura, não pode deixar de ter consequências práticas, político-sociais, ou seja, encontrar formulação e concretização a nível do social. Os elementos superadores da Velha Mundovisão estão disponíveis num corpo de conhecimentos verdadeiramente revolucionários que fundamentarão uma nova visão do mundo e da vida. E as novas linhas sociais, económicas políticas, espirituais, demográficas, não podem colidir com o acervo científico acumulado por centenas de ignotos investigadores. Ao contrário, as teorias, as explicações, a prática, terão de ir ao encontro desse saber, procurando aí as respostas para as suas perplexidades. Para a edificação de estruturas político-sociais estáveis, onde o homem reintegrado na sua herança natural e cultural, possa viver feliz.
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ANTÓNIO MARQUES BESSA
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A desigualdade individual origina no plano social uma divisão entre fortes e fracos, já constatada por Duguit. Os fortes capturam os poderes sociais (político, ideológico, económico) e governam a maioria da população. É o fenómeno das elites dirigentes e dominantes, da hierarquia, que tão bem evidencia a análise da sociedade animal. A reflexão mais desapaixonada sobre esta matéria foi efectuada pela escola sociológica italiana, com Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca e Roberto Michels. Estes autores provaram a perenidade da minoria, a minoria poderosa, que impõe a sua vontade sobre a maioria dando-lhe a impressão de ser ela a decidir e a governar.
Analisando a sociedade e o homem tal como eles são, estes autores anteciparam-se de quase meio século às realidades científicas do nosso tempo. Identificaram correctamente os detentores do poder real e formularam as leis segundo as quais decorre a disputa da força. Identificaram igualmente as justificações mais ou menos elaboradas que a minoria criou para o seu poderio e chamaram-lhe fórmula política. Dizer que o poder lhe vem de Deus, ou do Povo, ou que é do autocrata a título de conquista, são tudo razões óptimas desde que operem e cumpram a sua função justificativa. Acontece que hoje as fórmulas políticas são as ideologias e nelas não há, como se viu, o menor grão de credibilidade. Está por nascer a fórmula política do nosso tempo, que reduza democracia e socialismo, social-democracia e marxismo, a meros trastes velhos da história da pulhice do hommo sapiens.
Os autores que situam correctamente estes problemas numa análise neomaquiavelista são poucos. Todos ainda preferem as visões românticas e penetradas pela ideologia, justificativas em última análise do poder da minoria actuante ou da minoria que aspira ao poder. Contudo, com o desaparecimento desses grandes vultos do pensamento político, não é menos certo que ficaram certos autores que importa conhecer e que reflectem, na Teoria Política, a revolução intelectual a que se assiste noutros campos do saber. Carl Schmitt, o velho professor alemão, James Burnham, Wright Milis e Julien Freund, chegam para assegurar um exercício impecável em matéria de realismo político e transparência de concepção.
As minorias, portanto, longe de se confundirem com a multidão, são pela sua organização e coerência o único fermento social de mudança e poder. Só caem para ceder o lugar a outras, de modo que a História não passa de um velho e enorme cemitério de oligarquias. A lei de ferro da oligarquia, formulada por Michels, apenas se faz eco desta constatação empírica, tão desagradável aos doentes do igualitarismo acéfalo, fervorosos crentes no álibi da tábula rasa.
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O regresso ao Mistério
Porém, também em outros campos do pensamento verdadeiramente vital se assiste a uma importante ruptura e renovação. Na Etnologia, na Filosofia, na Literatura, na Metaciência, abre-se desde o princípio do século um novo espaço ontológico, um domínio do Ser e do Sagrado em que se reconhece, implícita ou explicitamente, a impotência da Razão. Surge outra vez a consciência dos limites da capacidade humana para conhecer e perceber. Se no período anterior o campo dos problemas invadiu o campo dos mistérios, hoje voltei a Zona do Mistério para além da Zona do Problema.
Na Etnologia, Mircea Eliade procura as bases perdidas pela Antropologia, demasiado racionalista e positivista. Na Metaciência, René Guénon e Julius Evola, revêem os mitos, os fundamentos valorativos, revisitando o Sagrado e os altos valores da Tradição Humana. Na Filosofia Antropológica, Arnold Genlen faz um exercício completo sobre a Cultura e a disciplina superadora, que assegura a manutenção da civilização. Contra o mito rousseauista não cessa de exigir um «regresso à cultura», opondo-o ao reaccionário ensinamento que proclama o regresso à natureza como factor de redenção.
Na Filosofia, Max Scheller, Husserl, Heidegger, Jaspers, continuam a pontuar uma linha de procura
do absoluto e de superação da razão eficiente.
Na Psicologia, Jung, Jensen, Eysenck, Bertalanffy, voltam aos fundamentos biológicos (aos instintos) e extraem consequências da Genética contemporânea e da Etologia, todas fundamentais para a nossa mundovisão.
Pouco a pouco, todos os campos científicos se vêem afectados pela revolução silenciosa e pela necessidade de recorrer às novas descobertas para explicar e entender o Real.
Entretanto, o Deus Vivo, Aquele que é, que fora afastado pela ciência racionalista que tudo explicava pelas relações mecânicas e os modelos hidráulicos, entra novamente no campo do Saber peia mão dos grandes Físicos. O milagre, que tinha sido banido por decreto: tudo funcionava como um relógio sem necessidade de zelador, insinua-se hoje no plano dos quanta através da formulação de Werner Heisenberg, ou seja, através do indeterminismo básico de toda a construção universal. Grande é a liberdade das coisas materiais, que não estão acorrentadas às sábias doutrinas de causalidade fechada. Grande e sábio é o construtor de tão grande mistério, que na própria base tem o Mistério.
É talvez por isso que hoje em dia as mais belas páginas de espiritualidade se encontrem nos grandes físicos ocidentais que se revelam ao mesmo tempo como grandes crentes da Sua Sabedoria. Não assegurou Cristo aos judeus, que o perseguiam por ter curado ao sábado o paralítico, «Meu Pai trabalha continuamente e Eu também trabalho»? Esta operação contínua de conservação não pode encontrar melhores entendedores que os que trabalham na fronteira do indeterminado.
Esta onda renovadora que traz muito de ruptura, não pode deixar de ter consequências práticas, político-sociais, ou seja, encontrar formulação e concretização a nível do social. Os elementos superadores da Velha Mundovisão estão disponíveis num corpo de conhecimentos verdadeiramente revolucionários que fundamentarão uma nova visão do mundo e da vida. E as novas linhas sociais, económicas políticas, espirituais, demográficas, não podem colidir com o acervo científico acumulado por centenas de ignotos investigadores. Ao contrário, as teorias, as explicações, a prática, terão de ir ao encontro desse saber, procurando aí as respostas para as suas perplexidades. Para a edificação de estruturas político-sociais estáveis, onde o homem reintegrado na sua herança natural e cultural, possa viver feliz.
Excertos de “Ensaio sobre o Fim da Nossa Idade”
in, ALTERNATIVA, Nº1, ABRIL 1985, p.7-8
in, ALTERNATIVA, Nº1, ABRIL 1985, p.7-8
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