\ A VOZ PORTALEGRENSE: Análise

quarta-feira, março 07, 2007

Análise

SEM TÍTULO
.
VÍTOR CUNHA
.
OS DONOS DA PALAVRA
.
Os comentadores influenciam a opinião pública? Talvez. Alguns têm dedicado a vida a tentar
.
Está ainda por conhecer-se o valor da palavra em Portugal. Algum terá, e terá mais ou menos consoante o dono e o seu desempenho. Depois, como sempre, vale o paradigma de que em terra de invisuais quem vê é presidente (versão actualizada e mais politicamente correcta de um conhecido do provérbio, demonstração de uma das virtualidades da opção monárquica e da manifesta incapacidade da República em impor-se culturalmente).
Presumo que ainda não deu para perceber, mas refiro-me à influência dos denominados comentadores na vida pública. Por comodidade e ignorância não falarei dos especialistas em assuntos desportivos nem do Gato Fedorento, mas de um pequeno conjunto de senhores que nas últimas décadas têm dedicado o seu latim à arte de influenciar a opinião pública.
Nos tempos modernos o precursor da influência foi Marcelo Caetano, um visionário, muito prejudicado pelo facto de naquele tempo o acesso a um aparelho de televisão ser muito limitado. Nos últimos vinte anos o mercado alargou, profissionalizou-se mais, deu oportunidades aos mais novos, mas - também por força do aumento da oferta pelos jornais, televisores e rádio -, permitiu que o espaço disponível fosse ocupado por políticos profissionais com uma agenda partidária. Restou, pois, um pequeno grupo de sobreviventes, os mais hábeis, os mais dedicados e profissionais. Optei por não colocar nesta pequena lista Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Portas. Embora sejam excelentes comunicadores talvez seja prematuro colocá-los no grupo. Ainda estão a tempo de se dedicarem a outros afazeres. Excluí também alguns que escrevem na Atlântico, não por serem da casa, mas porque são o futuro.

.
António Barreto - No Público, Barreto é o exemplo do académico desalinhado mas alinhado, crítico, mas positivo. As suas grandes angústias são as do português urbano e informado e o seu amor aos jacarandás tem feito escola. Foi político muito cedo e cedo perdeu as ilusões. Em António Barreto gosta-se muito do seu sentido cívico, da capacidade de falar com simplicidade das grandes coisas e com complexidade daquelas que pareciam ser menores. António Barreto é o liberal de Esquerda que a Direita aparecia, não por ser de esquerda, mas por ser liberal. Talvez precisasse mudar de ares e de formato.
.
Miguel Sousa Tavares - MST é um profissional da escrita; vende mais livros que eu sei lá, desdobra-se pêlos jornais e pela televisão. O seu tempo cronológico (55) não corresponde ao mental: parece um senhor idoso aborrecido com o mundo. Dizem os fiéis que é isso que lhe dá graça. Até podia ser. Mas MST adoptou um estilo impressivo que irrita, pois parece que está a falar ou a escrever para atrasados mentais. Fala de tudo com o mesmo tom e a má cara usual parece um adjectivo. Opina a metro usando sempre a mesma fórmula (não se trata de auto-plágio, note-se), pouco tendo para acrescentar como se o seu mundo tivesse terminado em 1990. Um caso perdido, presume-se. Como entertainer televisivo, contudo, aparenta ser um sucesso.
.
José Pacheco Pereira - Este globetrotter da comunicação social (escreve no Público, Sábado, comenta na SIC-N e no seu blogue) faz o papel do desalinhado independente do PSD (é a tal quadratura do círculo). As senhoras anseiam por o ter no seu chá vespertino; perdeu influência real no partido e, no fundo, o seu isolamento na Marmeleira é a imagem do seu próprio isolamento. O espírito conspirativo e os métodos apreendidos na juventude talvez sejam o que mais de verdadeiro ainda mantém.
.
Vasco Pulido Valente - VPV, deixem-me confessar, foi o único grande editor que eu tive. Um dia, no Independente, era eu um miúdo, fomos entrevistar Pacheco Pereira. A conversa - mole - correu ao almoço, no Gambrinus. À noite, VPV sentou-se na minha secretária e ensinou-me a editar uma entrevista. «Mas, o Vasco está a reescrever tudo», dizia eu a medo. - Não, estou a transformar isto em português literário - respondeu. E eu lá fiquei a ver, a aprender.
Durante alguns anos tive o privilégio de "editar" (no caso era fechar páginas, como é óbvio) os seus textos de opinião, que aguardava com excitação nos finais da tarde de quarta-feira. Hoje, todas as sextas, sábados e domingos, leio a última página do Público com o mesmo entusiasmo com que lia há quase vinte anos os textos de Vasco Pulido Valente (quem não se lembra da "Crise da Habitação" ou do ensaio sobre Soares e o MASP I publicado na Kapa). Vasco Pulido Valente resistiu ao tempo e foi mudando as fórmulas. É o melhor.
in, MARCO 2007 . ATLÂNTICO . 35