\ A VOZ PORTALEGRENSE: Comentário no DN

sábado, março 31, 2007

Comentário no DN

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Fernando Madaíl
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Ao bater àquela porta de uma quinta de família no Campo Grande o jovem intelectual nacionalista ainda não sabia que iria despertar a paixão naquela sua colega de Direito, loura como as suas divas Catherine Deneuve (Os Chapéus de Chuva de Cherbourg, de Jacques Demy,) e Julie Christie (Doutor Jivago, de David Lean, e Fahrenneit 451, de François Truffaut), que encantaram o cinéfilo na agitada década de 60.
Afinal, em 1969, Jaime Nogueira Pinto, uma figura central da direita universitária antes do 25 de Abril, estava "apenas" a reunir assinaturas para a reabertura da Faculdade de Direito de Lisboa quando foi ter com Maria José Pinto da Cunha Avilez (depois de casada, Maria José Nogueira Pinto), que tinha "furado" uma greve aos exames e viu nele "uma pessoa fascinante, com quem nunca [se] iria maçar".
Em 1972, casavam, iniciando assim uma cumplicidade de 35 anos e que podia ser assinalada com três filhos e casas em três continentes - afinal, o número da sorte da ex-provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (a instituição que tem a lotaria e o euromilhões, o totobola e o totoloto) é precisamente o três, como a trindade católica da Fé, Esperança e Caridade, simbolizadas na cruz, na âncora e no coração que tinha num fio de prata com que chegaria ao campo de refugiados da Namíbia.
O casal ganhou a ribalta nas últimas semanas por motivos diferentes. No concurso da RTP, Grandes Portugueses, Jaime assumiu a defesa de Salazar - que ganhou. No último Conselho Nacional do CDS/PP, Maria José presidiu à reunião - que correu tão mal que vai abandonar o partido para onde entrou no tempo de Manuel Monteiro, sendo a primeira mulher à frente de uma bancada parlamentar e a disputar a liderança de um grande partido (perdeu para Paulo Portas, acerca do qual dissera que nem ganhava ao Rato Mickey).
No fundo, mais uma etapa de uma vida comum que passou por Angola com o intuito de combater pela defesa de um Portugal "pluricontinental", pela fuga após os mandatos de captura na sequência do 28 de Setembro de 1974 (manifestação da "maioria silenciosa", alegadamente de direita, que teria como consequência a prisão de figuras do regime anterior), pelo exílio na África do Sul, no Brasil e em Espanha.
Representantes ideológicos de uma direita tradicionalista, que destaca valores com a nação ou a ordem e que contrapõe o puro liberalismo económico à solidariedade social inspirada no catolicismo, apesar das cumplicidades, têm formas de estar na vida distintas.
Um amigo do casal, Miguel Freitas da Cruz - que acompanha Jaime Nogueira Pinto desde a década de 60, quando ambos frequentavam a Faculdade de Direito, defendiam a guerra para manter o império e até foram redactores da RTP -, considera que estamos perante "um homem de pensamento" e "uma mulher de acção".
Nada como as declarações de ambos para melhor entender as diferentes perspectivas. Enquanto Jaime Nogueira Pinto considera que, "em Portugal, talvez valha mais a pena ter influência do que poder" (Euronotícias, 18/02/2000), já Maria José Nogueira Pinto não hesita em reconhecer que "gosta" do poder, pois "sem poder não se pode fazer nada e eu não vou para lado nenhum para não fazer nada" (Visão, 12/03/1998).
A cumplicidade que se estende, por exemplo, às leituras - para lá dos romancistas clássicos e modernos, são apreciadores de banda desenhada e de ficção científica, mas ela gosta de ter poesia mais à mão, isto é, no lugar dos livros dele de Filosofia ou de Ciência Política - não os impede de discutir sobre os destinos das viagens ou os filmes que vão ver.
Mas a diferença na forma de encarar a vida pública, em que ambos se mantiveram sempre empenhados, pode ser melhor compreendida pela maneira como, numa conversa com outras pessoas, cada um analisa o mesmo tema. Martim Avilez de Figueiredo, director do Diário Económico e primo em segundo grau da "Zezinha", conta que num jantar em que um dos convivas tinha regressado de Moçambique, Maria José fazia perguntas sobre a "África humana" (do género de querer saber como é que estavam a viver as pessoas) e Jaime acerca da "África política" (afinal, desde a defesa da manutenção do Ultramar até às relações actuais com políticos dos PALOP, este foi sempre um dos seus temas predilectos).
Após o jantar, se forem ver um filme, o cinéfilo Jaime, que é capaz de descrever um visita ao Forte de Santa Luzia "num dia de Sol encoberto pelo nevoeiro, que todo o tempo me lembrou o Felini e o Kurosawa", pode escolher uma obra que se adeque a um dos seus actuais interesses, "a ligação da arte da escrita e da arte do filme", de que é paradigma O Leopardo, "uma dessas fitas excepcionais [de Visconti] a partir de um livro excepcional [de Lampedusa]". Já Maria José optaria por um filme que a "levasse às lágrimas".
Mas ninguém se zangaria naquelas salas do palacete onde, em 1969, ele bateu à porta.