\ A VOZ PORTALEGRENSE: Crónica de Nenhures

quinta-feira, outubro 12, 2006

Crónica de Nenhures

Justiça Rica versus Justiça Pobre
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1. Ao tempo, a circunspecta TIME concluía, da análise do mediático processo de O. J. Simpson, que o dinheiro fez a diferença quer no julgamento, quer no veredicto final. O chamado O. J.'s Dream Team, foi constituído não só pelos mais famosos advogados em criminologia, mas também advogados especialistas em genética, consultores de júri, investigadores e peritos, decididamente uma equipa de luxo, paga a peso de ouro.
Este caso, ligado a processos judiciais anteriores como os dos irmãos Martinez, o de Claus von Bolow, ou o de William Kennedy Smith, criou um debate sobre a própria justiça americana. De facto, se O. J. Simpson não tivesse possibilidades económicas de constituir a sua própria defesa e fosse defendido por um advogado público o seu julgamento duraria talvez dois dias e caso encerrado.
Entretanto, pelo país começaram a multiplicar-se divulgações de outros casos em que a justiça foi tão célere, ou se se quiser tão pouco cuidadosa, que o coordenador da National Association of Criminal Defense Lawyers veio a afirmar haver dois sistemas de justiça criminal, e que existe uma total diferença para com os pobres; o julgamento desenrola-se no mesmo tribunal e na mesma sala, mas não é igual.
Segundo as estatísticas entre 80% a 90% dos cidadãos condenados à pena capital são excessivamente pobres para poderem contratar um advogado. Ao mesmo tempo, os réus consideram os advogados públicos como os seus principais inimigos, desvirtuando-lhes as funções. É no fundo uma crise generalizada do sistema jurídico americano.
Em Portugal a justiça ainda está a dar os primeiros passos para se transformar no tal espectáculo mediático. Quem se não lembra da leitura em directo da sentença do caso do "Crime do Caniçal" por uma estação de televisão privada, a mesma que apresentou durante algum tempo um programa que pretendia por intermédio de uma máquina questionar a própria justiça e as suas sentenças, sabendo-se que essa máquina e as suas conclusões não tinham base científica. Aliás, recorrendo ao "Erro de Descartes" do professor António Damásio, se os nossos actos e as nossas acções pudessem ser friamente analisadas e julgadas por uma máquina, então poder-se-ia construir uma máquina verdadeiramente inteligente, o que não é possível, porque como se infere dos estudos do professor, a dor é fundamental para a sobrevivência.
Não tem havido, felizmente em Portugal, casos que apaixonem a opinião pública de maneira tão intensa, como acontece nos Estados Unidos da América, e talvez por isso não se sinta uma grande diferença de tratamento entre este ou aquele caso judiciário ou em relação ao tratamento dado pelo tribunal a esta ou aquela pessoa, mas que os há, de facto será pensável que sim. O imaginário criminal português tem dois casos ocorridos no mundo financeiro, a "Banqueira do Povo", Dona Branca, e o "Banqueiro dos Ricos", dr. Pedro Caldeira, cujos efeitos e consequências posteriores foram analisados de maneira bem diferente consoante os média e o interesse que das situações lhes adviria. Até o percurso posterior dos réus teve leituras antagónicas, tendo em conta os diferentes estratos sociais envolvidos.
Para o cidadão comum a questão da justiça e dos tribunais toma uma maior acuidade com o aumento real da criminalidade violenta e pela lentidão do sistema em responder a esta situação. Se por um lado sente a sua segurança diminuir, por outro vê no órgão judicial um agente que não lhe consegue transmitir o sentimento de igualdade perante a lei, que é no fundo a essência da própria justiça.
2. Presentemente em Portugal, passados anos sobre aqueles casos recordados, o chamado “Caso Casa Pia”, dada a problemática que envolve, tem um paralelo com o caso de pedofilia julgado nos Açores, cuja celeridade na conclusão espantou. Contudo, é interessante comparar os estratos sociais envolvidos em ambos os casos.
O “Caso Folew”, que se desenrola nos EUA, tem uma componente política enorme. Em vésperas de eleições, este “sair do armário” faz parte de um jogo político perigoso, com consequências imprevisíveis.
MM