Luís Filipe Meira
Economia
Versus Filosofia
A
1ª edição do Andanças remonta ao ano de 1996 e nasceu pela mão de meia dúzia de
apaixonados pela música e dança tradicionais com conceitos e filosofia muito
próprios, no que diz respeito à preservação do ambiente e das culturas
tradicionais. O crescimento exponencial do festival tem vindo a que, ao longo
dos anos, os seus mentores estejam em permanente reflexão sobre a manutenção dos
objetivos originais ou seja continuem o aprofundamento e divulgação das
culturas tradicionais, mas à luz dos novos tempos. Numa palavra, a organização
não quer deixar crescer um monstro incontrolável, preferindo a estabilização do
projeto e o seu crescimento sustentado. Daí a mudança de local e uma nova
aposta para 10 anos na barragem de Povoa e Meadas, local com magnificas
condições naturais e geográficas. Por razões várias não estive no Andanças, mas
estou perfeitamente identificado com o conceito e filosofia do mesmo. Daí ter
ficado, numa primeira fase, surpreso, com as declarações de António Pita, vice
presidente da Câmara de Castelo de Vide, ao jornal Alto Alentejo.
Cito:
(...)
O Andanças é um festival frequentado por pessoas de classe média/alta, com
capacidade de compra (...) (...) Castelo de Vide e a região precisam de eventos
com pessoas com esta capacidade económica (...) (...) António Pita destaca o
facto de ter ficado, claramente, desmistificado que este festival seria
frequentado por pessoas com alguns hábitos anti-sociais mas sim " por
pessoas que têm um nível de turismo que nos interessa" (...)
Surpreso,
primeiro, irritado, depois e compreensivo, por fim. Foram os 3 estados de alma
que vivi depois de ler estas demagógicas - estamos em campanha eleitoral -
declarações do Sr. António Pita, que não entendeu absolutamente nada do
conceito ou da filosofia do Andanças, nem dos seus frequentadores. O Sr. Pita
vislumbrou apenas uma fonte de receita para o seu concelho. E depois? Dirão
alguns... O dinheiro é sempre bem-vindo, dá imenso jeito e a promoção de um
acontecimento deste tipo é perfeitamente legítima e estimável.
É verdade! O vil metal sobrepõe-se quase
sempre a qualquer conceito cultural e filosófico e, as mais das vezes, é um fim
e não um meio. Apesar disso, não posso deixar de perceber e concordar que a
autarquia se tenha constituído parceira na organização deste festival com o
intuito de promover o património cultural e turístico da região e dinamizar o
comércio local. Afinal a dinamização e promoção da região é uma das suas
atribuições. A questão não é essa, nem podia ser. A questão está nas razões que
o vice-presidente encontrou para justificar a parceria, pervertendo totalmente
os princípios que presidiram à criação dum festival deste tipo.
O Andanças é um festival muito peculiar do
ponto de vista filosófico e conceptual, pois assenta em princípios libertários
do corpo e da mente e tem objetivos muito definidos e alternativos em relação à
sociedade de consumo, demarcando-se mesmo, de outros festivais que se parecem,
cada vez mais, com feiras de publicidade. Daí a minha estranheza pelas
declarações do Sr. vice-presidente que, certamente embalado pelo sucesso do
evento, se entusiasmou e resvalou para a propaganda.
O Andanças não é uma zona livre de seres com práticas
anti-sociais que possam por em causa a curte ecológica da
classe média/alta, nem um festival hippie chic onde as classes A e B vão nos
seus jeeps BMW, Volvo ou Audi, tomar o seu banho anual de cultura tradicional e
ambiental.
O Andanças é um festival feito e frequentado
por gente que, na sua maioria, perfilha o conceito, é interventiva e sabe qual
a posição que quer ocupar na sociedade, para além de reivindicar e lutar para
uma sociedade assente em princípios socialmente justos e ambientalmente
corretos. O Andanças não é um evento onde a classe média/alta vá brincar aos
festivais. O Andanças não é a Comporta, onde os ricos vão brincar aos
pobrezinhos.
O
Andanças não é nem pode ser uma zona de diversão para gente endinheirada sem as
práticas anti-sociais a que o Sr. António Pita se referiu. Até porque e cito-o
como mera curiosidade, proporcionalmente, houve mais gente detida no Andanças
do que no FMM Sines ou no Sudoeste.
O
Andanças pode e deve ser uma âncora importante para toda esta região que, como
se sabe, tem poucas alternativas e recursos para a promoção do seu
desenvolvimento socioeconómico. Serei o primeiro a reconhecer o mérito que a
Câmara de Castelo de Vide, eventualmente na pessoa do seu vice – presidente,
teve nesta parceria. Todavia o Andanças tem uma filosofia e uma prática
definida que vale por si, que dispensa diversões, especulações e outras
infelicidades à volta do seu conceito.
Luís Filipe Meira
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