\ A VOZ PORTALEGRENSE: António Martinó de Azevedo Coutinho

domingo, julho 05, 2009

António Martinó de Azevedo Coutinho

OLHANDO-NOS A NÓS MESMOS...
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Delenda stadium!
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Todos os que estudámos a história da Roma Antiga nos lembramos do obsessivo discurso de Catão, o Velho, que, no Senado, terminava invariavelmente as suas intervenções com o vibrante e convicto apelo: Delenda Carthago! (É preciso destruir Cartago!).

A História repete-se. Agora, em Portalegre, o grito dominante é: Delenda Stadium! (É preciso destruir o Estádio!). Se o seu autor não é Catão iguala-o, no mínimo, em determinação. Rima e é verdade. Se há uns anos, em 2005, a proclamada destruição se justificava em nome de uma moderna urbanização, estacionamento e serviços complementares, agora, nesta nova e grave recaída, apoia-se na iluminada ideia da urgente e indispensável construção duma escola de referência europeia.
Não assistimos, aqui há anos, à total falência de um megalómano projecto que deu pelo pomposo nome de Game City, destinado a colocar o município de Portalegre no mapa mundial dos jogos electrónicos e a construir uma cidade ultra-moderna com não sei quantos milhares de novos habitantes? Não aprendemos nada.Nem sequer valerá a pena perder tempo a discutir se vale mais a pena, para Portalegre, construir uma escola ou destruir um estádio. Provavelmente, o resultado inevitável de um debate isento e aberto sobre o tema conduzir-nos-ia à lógica conclusão de que valeria sempre a pena construir a escola mantendo o estádio.
Se o autor da ideia fizer valer o argumento de que a construção da escola exigirá o sacrifício do estádio, então a única resposta responsável deve remeter a decisão final para uma discussão mais profunda e mais séria sobre o que desejamos para um futuro sustentado de Portalegre. Discussão abrangendo toda a comunidade nisso interessada e não limitada, apenas, aos habituais iluminados.
Num inevitável confronto com a cidade rival de Elvas, todos podemos facilmente constatar que o actual parque desportivo da cidade raiana conta, neste momento, com quatro recintos onde se pode praticar futebol de competição:
_ Campo António Joaquim Semedo, relvado sintético;
_ Estádio Municipal - Campo Pedro Barreno, relvado sintético;
_ Campo Domingos Demétrio Patalino, relvado natural;
_ Estádio Municipal de Atletismo, relvado natural.
Em contrapartida, a actual proposta da autarquia portalegrense implica a destruição do único estádio local com relvado natural, remetendo a prática de todo o futebol (de competição e amador) para o estádio restante, com relvado sintético, e para a promessa (!?) da construção de outros dois (quando e com que verbas?), também com piso artificial, no futuro Complexo dos Assentos. Assim vem relatado no jornal desportivo A Bola, edição de 16 de Junho de 2008, onde se contêm as declarações iniciais do senhor Presidente da Câmara Municipal de Portalegre a este propósito.

Passará por esta estratégia o desejável desenvolvimento do futebol em Portalegre, mesmo aceitando como pouco animador o seu actual panorama? Ou não estaremos assim a hipotecar, em definitivo, aquele objectivo? Que atitude pública, de corajosa oposição ou de cúmplice silêncio, têm assumido, nesta perspectiva, as agremiações desportivas locais, quer as profissionais quer as amadoras, bem como as suas representações federativas ou associativas? E onde está a restante opinião pública?
Elvas não nos serve como exemplo?
Analisemos brevemente o outro lado da questão, isto é, a construção da escola de referência europeia, estabelecimento (volto a citar a fonte atrás indicada) que englobará todas as etapas do ensino, “do pré-primário ao 9.º ano de escolaridade, num total previsto de 800 a 900 alunos”. Aqui se incluirão as comunidades hoje distribuídas pelas escolas de Cristóvão Falcão e da Praceta.
Significativamente, A Bola contém uma revelação subliminar, a de que a posterior ocupação do território destas escolas alimentará o presente projecto. No fundo, e coerentemente, assume-se e retoma-se assim o alibi urbanístico inicial... Gato escondido com todos os rabos de fora!
Neste particular nem sequer me atrevo a propor qualquer confronto com Elvas que, modestamente, não possui nenhum estabelecimento de ensino de referência europeia, pelo menos que publicamente se conheça.

A que corresponderá, portanto, este magno conceito? A um edifício dotado de todas as condições de excelência, provavelmente abundante em Magalhães da última geração distribuídos a toda a comunidade escolar discente, com painéis solares e quadros electrónicos em cada esquina, pisos anti-derrapantes e dietas anti-obesidade nas cantinas, pontos de exame no estilo simplex mais em voga, servido por uma rede de transportes eléctricos, não poluentes, recheado com um escol de professores altamente seleccionados e treinados, contando com uma direcção à prova de total confiança ministerial e alunos dotados com 120 de coeficiente mínimo de inteligência???

As escolas da cidade estão a passar por necessárias e úteis obras de modernização, praticamente concluídas na Mouzinho, em andamento na São Lourenço, talvez ainda dispensáveis na Régio, por ser a mais recente de todas elas. A da Praceta, provavelmente, também as merecerá. E, quase seguramente, a Cristóvão Falcão justificá-las-á em absoluto.
Esta é a escola do meu coração, aquela onde vivi os mais gratificantes anos da minha vida profissional. Ela foi, no tempo em que aí partilhei sonhos e projectos colectivos, uma autêntica escola de referência europeia. Centro de estágios diversos, palco de projectos de alcance comunitário, local de experiências pedagógicas de topo e da aferição de novos programas disciplinares, cadinho de práticas inovadoras, cenário de planificações interdisciplinares de excepção, organizadora de eventos de prestígio, interlocutora válida de instituições nacionais e estrangeiras conceituadas, o que faltou à nossa escola para merecer todo e qualquer título de referência?

Uma escola é aquilo que as vivências e a dinâmica interactiva das suas distintas e complementares comunidades -os alunos, os professores, os funcionários, os pais, as outras instituições com ela relacionadas- for capaz de planificar e, depois, concretizar.

Portanto, os títulos teóricos apriorísticos ou as boas intenções liofilizadas apenas me fazem sorrir. No entanto, no discurso presidencial patente na tal entrevista de A Bola há uma frase, apenas uma, da qual não posso discordar: “Quando tiver um projecto, sou candidato a ser financiado. Só na base de ideias não passo de um idiota”.
António Martinó de Azevedo Coutinho