Opinião
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João Mattos e Silva
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A pouco mais de três anos das comemorações do centenário da República, o regime afadiga-se nos seus preparativos. O Portal do Governo, na Internet, inseriu agora um extenso relatório da Comissão que prepara os eventos, onde se enumeram não só considerações sobre a República, sobretudo a I, que continua a ser para os republicanos o paradigma dos valores do regime, como as propostas das celebrações em várias áreas e que são, diria eu, quase um programa de governo, tal o afã de querer fazer do republicanismo um projecto de futuro, a ponto de se afirmar que Portugal não terá futuro sem a república… E preparando-se para essa data e antecedendo o regicídio, que ocorrerá em 2008, conseguiu que o Parlamento aprovasse, por unanimidade, uma proposta para que os restos mortais de Aquilino Ribeiro (o que só revela a ignorância da maioria dos nossos parlamentares, que mal sabem que foi um famoso escritor oposicionista ao Estado Novo, mas desconhecem a sua participação no crime execrável do assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe Real D. Luís Filipe) sejam transladados para o chamado Panteão Nacional e que é, sobretudo, o da República. Para além de outras propostas legislativas, como que visa reconhecer as novas formas de relações familiares, que foram interpretadas como a aprovação dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo e a adopção de crianças por esses novos casais, o que não se entende o que é que tem que ver com o regime republicano, quando inclusive já foi legislado no mesmo sentido por parlamentos de monarquias europeias.
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Curioso também é verificar que "por acaso" faz parte da Comissão o Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, Dr. António Reis e que "por acaso" um dos colóquios propostos é exactamente sobre "O Grande Oriente Lusitano e a República: de 1910 a 2010", reconhecendo-se oficialmente a influência da Maçonaria na condução do regime republicano. Só é pena que o período analisado seja só o dos cem anos da República e não tenha havido a coragem de recuar para a sua preparação, abrangendo, nomeadamente, o que antecedeu o Regicídio. Como é curioso verificar, em todos os textos e propostas, a insistência – como principal aspecto do ideário republicano – na laicidade do novo regime, como forma encapotada de ódio vesgo à Igreja Católica, mesmo se há o cuidado de falar de "separação do Estado e das Igrejas", como se em 1910 qualquer outra Igreja tivesse a mais pequena relevância e estivesse, de alguma forma, ligada ao regime monárquico. Não é por acaso, neste aspecto, que o presidente da comissão é o Dr. Vital Moreira, que não perde uma ocasião, em artigos de opinião e em blogues, para atacar a Igreja e, de um modo geral, as religiões e que uma das organizações que colabora com ela é a conhecida "República e Laicidade" que defende uma maior separação entre o Estado e a Igreja Católica em Portugal e na Europa…
Curioso também é verificar que "por acaso" faz parte da Comissão o Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, Dr. António Reis e que "por acaso" um dos colóquios propostos é exactamente sobre "O Grande Oriente Lusitano e a República: de 1910 a 2010", reconhecendo-se oficialmente a influência da Maçonaria na condução do regime republicano. Só é pena que o período analisado seja só o dos cem anos da República e não tenha havido a coragem de recuar para a sua preparação, abrangendo, nomeadamente, o que antecedeu o Regicídio. Como é curioso verificar, em todos os textos e propostas, a insistência – como principal aspecto do ideário republicano – na laicidade do novo regime, como forma encapotada de ódio vesgo à Igreja Católica, mesmo se há o cuidado de falar de "separação do Estado e das Igrejas", como se em 1910 qualquer outra Igreja tivesse a mais pequena relevância e estivesse, de alguma forma, ligada ao regime monárquico. Não é por acaso, neste aspecto, que o presidente da comissão é o Dr. Vital Moreira, que não perde uma ocasião, em artigos de opinião e em blogues, para atacar a Igreja e, de um modo geral, as religiões e que uma das organizações que colabora com ela é a conhecida "República e Laicidade" que defende uma maior separação entre o Estado e a Igreja Católica em Portugal e na Europa…
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A análise que, quer o corpo do Relatório, quer a contribuição individual do seu presidente, fazem da República, claro que da I República, porque é essa que na verdade se comemora e são os seus princípios que se quer conservar -"Voltar às origens da República, reconstituir uma genuína "mitologia" republicana e valorizar do projecto de modernidade republicana deve constituir um objectivo primordial das comemorações" – tem coisas de estarrecer quem conheça esse período triste da nossa história contemporânea, onde a necessidade de louvor ao novo regime tolda todo e qualquer espírito crítico. Dizer, como o faz o ilustre constitucionalista conimbricense, que "Reivindicando-se da trilogia revolucionária francesa da "Liberdade-Igualdade-Fraternidade" – que o constitucionalismo liberal monárquico tinha reduzido ao primeiro termo, numa versão puramente individualista, esquecendo a igualdade e a fraternidade –, o republicanismo histórico manteve desde o início uma clara pulsão democrática e social. Por isso, o republicanismo só se alcança na base das suas relações com o liberalismo, com a democracia e com o socialismo", é manifestar uma visão distorcida da história. Desde logo porque a Monarquia Constitucional não esqueceu a igualdade – todos os portugueses eram iguais perante a lei (mesmo os membros da aristocracia, que é o engulho igualitário dos republicanos) e o acesso aos altos cargos do Estado e das Forças Armadas eram abertos a toda a gente, independentemente da sua origem social, como está sobejamente provado (só não o seria em função do nível de instrução, que tinha como pressuposto a situação económica do seu estrato social, o que continuou a acontecer na República, como se vê na origem burguesa da maioria esmagadora dos seus dirigentes) – nem a fraternidade. Já quanto à "pulsão democrática", só se for a que refere o insuspeito republicano e historiador Prof. Medina, que em recente carta publicada num órgão de comunicação social a propósito das comemorações do centenário da república diz: "não creio que valha a pena preparar, oficialmente, ou mesmo em meios académicos, a celebração dum mau defunto que foi esse regime de década e meia de vigência atarantada, e que, bem feitas as contas, teve nada menos do que 47 governos que a desgovernaram por trancos e barrancos (...) de atribuladíssima e caótica duração, com muitas bernardas castrenses de permeio, sedições várias, tumultos constantes e quase sempre mais ou menos sangrentos", e com os "atropelos à legalidade e ditaduras disfarçadas ou às escancaras, sem falar da Ditadura das Urnas, com o 'partido democrático' do dr. Afonso Costa (aquele homem de Direito que foi uma vez ao Porto, em 1902, com uma soqueira, para agredir à traição o Sampaio Bruno".
A análise que, quer o corpo do Relatório, quer a contribuição individual do seu presidente, fazem da República, claro que da I República, porque é essa que na verdade se comemora e são os seus princípios que se quer conservar -"Voltar às origens da República, reconstituir uma genuína "mitologia" republicana e valorizar do projecto de modernidade republicana deve constituir um objectivo primordial das comemorações" – tem coisas de estarrecer quem conheça esse período triste da nossa história contemporânea, onde a necessidade de louvor ao novo regime tolda todo e qualquer espírito crítico. Dizer, como o faz o ilustre constitucionalista conimbricense, que "Reivindicando-se da trilogia revolucionária francesa da "Liberdade-Igualdade-Fraternidade" – que o constitucionalismo liberal monárquico tinha reduzido ao primeiro termo, numa versão puramente individualista, esquecendo a igualdade e a fraternidade –, o republicanismo histórico manteve desde o início uma clara pulsão democrática e social. Por isso, o republicanismo só se alcança na base das suas relações com o liberalismo, com a democracia e com o socialismo", é manifestar uma visão distorcida da história. Desde logo porque a Monarquia Constitucional não esqueceu a igualdade – todos os portugueses eram iguais perante a lei (mesmo os membros da aristocracia, que é o engulho igualitário dos republicanos) e o acesso aos altos cargos do Estado e das Forças Armadas eram abertos a toda a gente, independentemente da sua origem social, como está sobejamente provado (só não o seria em função do nível de instrução, que tinha como pressuposto a situação económica do seu estrato social, o que continuou a acontecer na República, como se vê na origem burguesa da maioria esmagadora dos seus dirigentes) – nem a fraternidade. Já quanto à "pulsão democrática", só se for a que refere o insuspeito republicano e historiador Prof. Medina, que em recente carta publicada num órgão de comunicação social a propósito das comemorações do centenário da república diz: "não creio que valha a pena preparar, oficialmente, ou mesmo em meios académicos, a celebração dum mau defunto que foi esse regime de década e meia de vigência atarantada, e que, bem feitas as contas, teve nada menos do que 47 governos que a desgovernaram por trancos e barrancos (...) de atribuladíssima e caótica duração, com muitas bernardas castrenses de permeio, sedições várias, tumultos constantes e quase sempre mais ou menos sangrentos", e com os "atropelos à legalidade e ditaduras disfarçadas ou às escancaras, sem falar da Ditadura das Urnas, com o 'partido democrático' do dr. Afonso Costa (aquele homem de Direito que foi uma vez ao Porto, em 1902, com uma soqueira, para agredir à traição o Sampaio Bruno".
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Estas comemorações centenárias prometem, como se vê. Pelas análises "históricas" dos cegos defensores das virtudes do regime imposto aos portugueses há cem anos e pelas propostas para o celebrar. Já que os homens e mulheres, que estão à frente da Comissão e do Estado republicano que a inventou, são gente aparentemente sã de espírito, devem ser os deuses (pagãos) que os inspiram, que devem estar loucos.
Estas comemorações centenárias prometem, como se vê. Pelas análises "históricas" dos cegos defensores das virtudes do regime imposto aos portugueses há cem anos e pelas propostas para o celebrar. Já que os homens e mulheres, que estão à frente da Comissão e do Estado republicano que a inventou, são gente aparentemente sã de espírito, devem ser os deuses (pagãos) que os inspiram, que devem estar loucos.
Texto publicado no Diário Digital a 16-Mai-2007
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