Henrique Barrilaro Ruas
Ruas, a dispersão indomável
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Sobre Camões muito se tem escrito e ainda não se dilucidaram questões fundamentais: quando e onde nasceu e em que ano morreu. Também muito se tem publicado desde que, em vida o próprio poeta, foram editados Os Lusíadas. Sucessivas gerações de eruditos portugueses e estrangeiros continuam a formular hipóteses em redor de muitos passos da sua génese, do seu conteúdo e das implicações históricas e culturais.
Tudo isto recordei por ocasião da morte inesperada de Henrique Barrilaro Ruas, amigo de muitos anos, apesar das nossas públicas e notórias diferenças ideológicas. A maior pane das controvérsias relativas à obra e vida de Camões foram objecto de reflexão e de estudo de Henrique Ruas na edição que realizou d’Os Lusíadas. Este trabalho que o absorveu quase dez anos estimulou e aprofundou a multiplicidade da sua cultura atraída para vários domínios do conhecimento.
A edição d’Os Lusíadas levou Henrique Ruas a recapitular controvérsias formuladas desde os mais antigos biógrafos e comentadores, o chantre Severim de Faria, o licenciado Manuel Correia, o discutível Manuel Faria de Sousa e o memorialista João Soares de Brito. Deu-nos pistas para investigação de temas como a natureza, o tempo e o espaço, o espaço náutico, a estrutura do poema. Também sugeriu motivações como o mundo e a condição humana, a mulher, a família, a saudade, o sonho, o quotidiano, as profecias e outros domínios do saber.
Colocou-nos, igualmente, perante outros problemas, da floresta camoniana: quando e onde foram escritos Os Lusíadas; o valor pecuniário da tença, a morte e a sepultura em Lisboa; os amores de Camões (que não coincidem com a leitura de Frederico Lourenço), Camões em Macau e Camões em Constância especificando, para cada circunstância, fontes dignas de crédito, para esclarecer dúvidas e excluir lendas e fantasiosas conjecturas. Para mais completa abordagem d’Os Lusíadas, alertou-nos perante os insólitos silêncios de Camões em relação a Gil Eanes, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Pedro Álvares Cabral e os Cortê-Real; Álvaro Pais, João das Regras, Francisco Xavier, rainha Santa Isabel, Santo António e frei Gil de Santarém.
E ao analisar canto por canto, estrofe por estofe, verso por verso, palavra a palavra e sílaba a sílaba chegou ao ponto de inventariar adjectivos ou advérbios associados a seres divinos e a comparação com os humanos; a fonética, a oralidade, a métrica, versos errados e versos segundo acentuação da cadência.
A reunião em volume de uma selecção criteriosa dos textos esparsos de Henrique Ruas é tarefa inadiável. Mas enquanto não for levada a efeito esta edição d’Os Lusíadas - que teve a honra de ser uma das ofertas do Presidente Jorge Sampaio ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, na viagem oficial ao Brasil - constitui notável testemunho da estirpe de Henrique Ruas, grande conhecedor da cultura clássica e do pensamento ocidental. Para quem teve o privilégio do seu convívio há uma conclusão óbvia: se a indomable dispersão do seu do seu espírito muito o prejudicou, também é verdade que muito o enriqueceu.
Tudo isto recordei por ocasião da morte inesperada de Henrique Barrilaro Ruas, amigo de muitos anos, apesar das nossas públicas e notórias diferenças ideológicas. A maior pane das controvérsias relativas à obra e vida de Camões foram objecto de reflexão e de estudo de Henrique Ruas na edição que realizou d’Os Lusíadas. Este trabalho que o absorveu quase dez anos estimulou e aprofundou a multiplicidade da sua cultura atraída para vários domínios do conhecimento.
A edição d’Os Lusíadas levou Henrique Ruas a recapitular controvérsias formuladas desde os mais antigos biógrafos e comentadores, o chantre Severim de Faria, o licenciado Manuel Correia, o discutível Manuel Faria de Sousa e o memorialista João Soares de Brito. Deu-nos pistas para investigação de temas como a natureza, o tempo e o espaço, o espaço náutico, a estrutura do poema. Também sugeriu motivações como o mundo e a condição humana, a mulher, a família, a saudade, o sonho, o quotidiano, as profecias e outros domínios do saber.
Colocou-nos, igualmente, perante outros problemas, da floresta camoniana: quando e onde foram escritos Os Lusíadas; o valor pecuniário da tença, a morte e a sepultura em Lisboa; os amores de Camões (que não coincidem com a leitura de Frederico Lourenço), Camões em Macau e Camões em Constância especificando, para cada circunstância, fontes dignas de crédito, para esclarecer dúvidas e excluir lendas e fantasiosas conjecturas. Para mais completa abordagem d’Os Lusíadas, alertou-nos perante os insólitos silêncios de Camões em relação a Gil Eanes, Diogo Cão, Bartolomeu Dias, Pedro Álvares Cabral e os Cortê-Real; Álvaro Pais, João das Regras, Francisco Xavier, rainha Santa Isabel, Santo António e frei Gil de Santarém.
E ao analisar canto por canto, estrofe por estofe, verso por verso, palavra a palavra e sílaba a sílaba chegou ao ponto de inventariar adjectivos ou advérbios associados a seres divinos e a comparação com os humanos; a fonética, a oralidade, a métrica, versos errados e versos segundo acentuação da cadência.
A reunião em volume de uma selecção criteriosa dos textos esparsos de Henrique Ruas é tarefa inadiável. Mas enquanto não for levada a efeito esta edição d’Os Lusíadas - que teve a honra de ser uma das ofertas do Presidente Jorge Sampaio ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, na viagem oficial ao Brasil - constitui notável testemunho da estirpe de Henrique Ruas, grande conhecedor da cultura clássica e do pensamento ocidental. Para quem teve o privilégio do seu convívio há uma conclusão óbvia: se a indomable dispersão do seu do seu espírito muito o prejudicou, também é verdade que muito o enriqueceu.
António Valdemar (Jornalista)
in, AVENIDA DA LIBERDADE
Diário de Notícias, 31 de Julho de 2003, p. 9
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