António Sardinha - Invocação
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Invocação
Ó Terra de Antre Tejo e Guadiana,
onde há contrabandistas e malteses,
- ó Terra que és fronteira à castelhana
e a tens metido em ordem tantas vezes!
Terra das claras vilas com cegonhas
no alto dos mirantes sobre o imenso!
(Paisagens religiosas e tristonhas
aonde o rosmaninho faz de incenso…)
(Ruínas penduradas no Distante
com atitudes calmas de ermitério…)
- Ó Terra, em cujo chão febricitante
palpita um formidável cemitério!
Terra das fortalezas truculentas,
minha adeantada-môr de Portugal,
- ó Terra que o abasteces, que o sustentas,
que és um celeiro enorme, sem igual!
Ó Terra que da espada aventureira
tiraste ao vir das pazes a charrua!
(O arado quando chega a sementeira,
como ele empeça em tanta ossada nua!)
Terra de coração em brasa viva,
queimada no furor canicular!
Terra de quem a gente se cativa,
Se a água das nascentes lhe provar!
Terra de natural dormente e langue,
onde padecem lobis-homens, bruxas…
- (Voz do Longínquo, ó tentação do Sangue,
não sei em que ânsias doidas me estrebuchas!)
Ó Terra estranha que a perder nos deitas
com endemoninhada beberagem!
Ó terra da lavoira, das colheitas,
Das feiras e arraiaes, - da ciganagem!
Terra de San-João de Deus, ó Terra
onde a Rainha-Santa quis morrer!
- (À flor dos horizontes paira e erra
uma saudade líquida a escorrer…)
Terra de meus Avós, dos bom Maiores,
aonde a minha Árvore descansa!
Terra regada com seus suores,
Aonde eu vejo a sua semelhança!
A sua semelhança está comigo,
em mim a cada hora se renova,
ó Terra que me foste berço amigo,
ó Terra que serás a minha cova!
Postas as mãos, em oração ardente,
ó Terra de Crisfal e Bernardim,
peço-te a bênção comovidamente,
- que a tua bênção desça sobre mim!
in 'A Epopeia da Planície', pgs. 1 a 4
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