\ A VOZ PORTALEGRENSE: AA - No Centenário da Morte de António Sardinha

sexta-feira, janeiro 24, 2025

AA - No Centenário da Morte de António Sardinha

No Centenário da Morte de António Sardinha

António Maria de Sousa Sardinha nasce em Monforte a 9 de Setembro de 1888, e vem a falecer em Elvas em 10 de Janeiro de 1925. Celebra-se este mês o centenário da sua morte.

Inicia-se nas letras, concretamente na poesia. Na qualidade de poeta, é o autor da poesia «Lyrica de outubro», que pelo próprio é recitada nos jogos florais luso-espanhóis de Salamanca em 1909, conquistando a «Flor natural», prémio reservado aos poetas portugueses.

Porém, desde muito novo que António Sardinha também se interessa pela coisa pública, sendo nos seus tempos de estudante em Coimbra um adversário da monarquia constitucional, defendendo como regime a república. Todavia, pouco tempo depois, desgostoso com o rumo que seguia a república implantada em 5 de Outubro de 1910, renega o seu republicanismo, e no final do ano de 1912 torna pública a sua conversão à monarquia e também ao catolicismo.

Em 1911 licencia-se em Direito pela Universidade de Coimbra, e em 1914 funda com Hipólito Raposo e Alberto Monsaraz a revista «Nação Portuguesa», que dois anos mais tarde dava origem ao movimento político-social Integralismo Lusitano, e do qual foi um dos chefes mais activos e prestigiados.

Influenciado por Maurice Barrès e por outros nacionalistas franceses, o Integralismo Lusitano é a base do nacionalismo. Inseriu-se no movimento de contestação anti-oitocentista. Os seus doutrinadores citavam Paul Bourget e Charles Maurras, a escola contra-revolucionária francesa, e também as correntes do socialismo e sindicalismo anti-parlamentar representados por George Sorel, Édouard Berth e Georges Valois.

António Sardinha evolui da utopia republicana para o ideário católico e monárquico. Formado no ambiente da crise monárquica finissecular, encontra o antídoto contra o decadentismo do tempo na promessa republicana de regeneração, democracia e progresso. Contudo, após a implantação da república, mergulha num desencanto face ao rumo seguido pelo novo regime, que reproduzia, nas fraudes eleitorais, no parlamentarismo estéril, na guerra religiosa ou na impossibilidade de reformas de fundo, os vícios de que a monarquia finda padecera. Faz então uma autêntica conversão mental, redescobre o catolicismo e o ideal de organização política tradicional, municipalista e corporativa, com um rei.

Como monárquico, entende ser anti-maçon e anti-iberista. A influência da maçonaria nos destinos da Primeira República, e o facto de muitos proeminentes maçons e intelectuais republicanos serem iberistas, conduzem António Sardinha a uma violência verbal e escrita contra estres dois pilares do pensamento republicano dominante, se bem que o receio de uma intervenção espanhola em Portugal de cariz monárquico-restauracionista, leve os republicanos portugueses a afastarem-se progressivamente do iberismo e a acolherem-se na ‘pérfida Albion’ que outrora tanto atacaram.

O Sidonismo marcou um tempo de maior liberdade para os ideais monárquicos, permitindo a apresentação de uma lista monárquica ao Parlamento da República, lista essa onde está e pela qual António Sardinha foi eleito.

Algum tempo depois do assassinato do Presidente-Rei, os monárquicos lançam-se na aventura restauracionista quixotesca denominada Monarquia do Norte, condenada pelo próprio rei-deposto, e no seguimento desta, António Sardinha refugia-se em Espanha.

Regressa a Portugal vinte e sete meses depois e torna-se director do diário «A Monarquia», onde desenvolve intenso combate em defesa da filosofia e sociologia política tomista, rejeitando a tese da decadência de Oswald Spengler, em defesa do catolicismo como a base da sobrevivência da civilização do Ocidente. E assim doutrinalmente permanecerá até ao final da vida.

Rebelde com causa, deste modo se pode definir a curta vida de António Sardinha. Republicano na monarquia e monárquico na república, de indiferente a tradicionalista na religião, foi um homem que viveu a contra-corrente. Deixou obra como historiador, poeta e sobretudo doutrinador de uma Ideia que hoje é vista como utópica, a restauração monárquica.

António Sardinha deixou continuadores, os Neo-Integralistas.

Continua a ser alvo de estudos, como «António Sardinha (1887-1925) – Um Intelectual no Século» de Ana Isabel Sardinha Desvignes, editado pelo ICS em 2006. A Editora Contra-Corrente em 2020 edita «Antologia – O Pensamento de António Sardinha», da responsabilidade de Alberto Araújo Lima, em 2023 reedita uma obra fundamental do Autor «O Valor da Raça», e neste ano de 2025 a obra «O Território e a Raça». E a Editora E-Imprimatur edita a sua poesia completa «António Sardinha – Poesia», com organização e fixação do texto por José Manuel Quintas e Manuel Vieira da Cruz, acompanhado de um estudo académico de José Carlos Seabra Pereira, tendo saído dos prelos em Setembro de 2024.

Passou no dia 10 deste Janeiro de 2025 o centenário da sua morte. Nas páginas do «Alto Alentejo» fica esta Memória de uma figura ímpar da Política e da Cultura portuguesa do primeiro quartel do século XX, quiçá, um pouco esquecida, mas que continua a ser uma referência do Pensamento de Direita em Portugal.

Mário Casa Nova Martins

*

PS – A propósito do livro «Tronco Reverdecido» e do volume da E-Imprimatur, diga-se que em nenhum deles consta um poema editado no jornal «O Distrito de Portalegre», nem em nenhuma outra obra de António Sardinha, facto merecedor de ser novamente publicado.

 

CRÍTICA E ARTE

O SENHOR PRIOR

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«… O nosso bom Prior entregou

ontem a alma a Deus.»

D’uma carta

 

Morreste, bom velhinho e essa quimera,

que sempre me embalava docemente

e bem maior que tantas outras era,

vejo-a desfeita agora de repente!

 

Quando sorri em todo a primavera,

eu sinto a mesma dor que o outono sente,

que a árvore da desilusão se desespera

e esperança já não acho que a avivente.

 

Alastra-se o pomar de frutos de oiro,

e, enquanto os seca um vento mau de agoiro,

o sonho que incarnaste evoco ainda…

 

Se entrei por tua mão na Madre-Igreja,

quisera que ela um dia, benfazeja,

também me unisse à minha noiva linda.

 

Coimbra, abril, 1908.

Do livro, para breve: – Tronco reverdecido

António Sardinha

 

in, O Distrito de Portalegre

Ano 25.º, Domingo, 12 de Abril de 1908. N.º 1546, pg. 3