Relatório minoritário
Em estado novo
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Noventa mil portugueses com telefone, num domingo à noite, votaram em Salazar como o melhor conterrâneo “de sempre”. Nenhum partido de “extrema-direita” teve tantos votos, em qualquer eleição nacional.
Por outro lado, é evidente que bastaria ao PCP mobilizar uma pequena parte do seu apoio urbano para que Cunhal saísse do pálido segundo lugar, rumo à vitória. Para isso, porém, teria de evacuar da cena uma personagem patética (que chegou a ofender as suas bases, mais sinceras e mais modestas), e haver alguém que tirasse o “líder por osmose” do pedestal, e o explicasse, na luz e na penumbra.
Quanto a Salazar, a nova ladainha é a de que se trata de um “voto de protesto”. Mas “de protesto” face a quê? Ao equilíbrio orçamental suado, ensaiado pelo Socratismo? À disciplina na gestão do Estado, e ao alegado “quero, posso e mando”, que até a “direita” contesta?
Ou seja, é o “salazarismo” residual de Sócrates que provoca... o regresso do professor do Vimieiro?
Ou trata-se de um fenómeno mais fundo, menos imediatamente “político”, que ataca, sim, o enriquecimento sem causa, a ostentação “democrática” (que vai até à “extrema-esquerda”), a propalada corrupção, ou o tráfico de influências, que se alega a cada canto?
Ou recupera-se o que, independentemente dos rótulos, parecem ter sido os valores políticos que mais arrastaram os portugueses do século XX: autoridade e justiça social (alguns dirão “socialismo”, outros “Estado”)?
Como é que num país sem “direita”, depois de 32 anos de exposição, condenação, dissecação, legislação contra o seu regime, António de Oliveira Salazar ganha um concurso de televisão (aquele media que, verdadeiramente, nunca conheceu, nem nunca dominou)?
Pode não se levar a sério nada disto. Mas, a tirarem-se “lições”, volta-se a um velho tema destas crónicas: Salazar não é, desprendido do círculo imediato de nostálgicos, ou dos beatos por mediação, um homem “de direita”. E aquilo que simboliza é algo que, despido das vulgarizações, atravessa vários grupos sociais, “classes” e “ideologias”. O mesmo, mutatis mutandis, para Cunhal.
Por fim, o que é um “grande português”?
No caricatural programa da RTP, pode lamentar-se a inexistência de cientistas, de grandes capitães de África, de Eça de Queiroz. Mas estava lá quase tudo: o Condado Portucalense e o Império, a glória e a decadência, a aventura e o realismo, a pena e a espada, a cidade e as serras.
Não sendo salazarista (nem marcelista), e tendo sempre achado que o nacionalismo português precisa de sacudir as capelas do século XX, ou imbecilidades que se lhe pretendem colar (como o racismo), tenho no entanto que dizer algo sobre os “finalistas”. Com PIDE e Aljube, torturas e desaparecimentos, Salazar tinha Portugal (cuja História, como disse, o “esmagava”), de forma certa ou errada, como o valor máximo. Álvaro Cunhal, no seu sonho de uma “revolução” em todo o mundo, punha outras convicções no topo.
E como decidiria, se um Portugal “capitalista”, ou “fascista”, tivesse de se defender contra uma invasão da URSS, o “sol da Terra”?
Por outro lado, é evidente que bastaria ao PCP mobilizar uma pequena parte do seu apoio urbano para que Cunhal saísse do pálido segundo lugar, rumo à vitória. Para isso, porém, teria de evacuar da cena uma personagem patética (que chegou a ofender as suas bases, mais sinceras e mais modestas), e haver alguém que tirasse o “líder por osmose” do pedestal, e o explicasse, na luz e na penumbra.
Quanto a Salazar, a nova ladainha é a de que se trata de um “voto de protesto”. Mas “de protesto” face a quê? Ao equilíbrio orçamental suado, ensaiado pelo Socratismo? À disciplina na gestão do Estado, e ao alegado “quero, posso e mando”, que até a “direita” contesta?
Ou seja, é o “salazarismo” residual de Sócrates que provoca... o regresso do professor do Vimieiro?
Ou trata-se de um fenómeno mais fundo, menos imediatamente “político”, que ataca, sim, o enriquecimento sem causa, a ostentação “democrática” (que vai até à “extrema-esquerda”), a propalada corrupção, ou o tráfico de influências, que se alega a cada canto?
Ou recupera-se o que, independentemente dos rótulos, parecem ter sido os valores políticos que mais arrastaram os portugueses do século XX: autoridade e justiça social (alguns dirão “socialismo”, outros “Estado”)?
Como é que num país sem “direita”, depois de 32 anos de exposição, condenação, dissecação, legislação contra o seu regime, António de Oliveira Salazar ganha um concurso de televisão (aquele media que, verdadeiramente, nunca conheceu, nem nunca dominou)?
Pode não se levar a sério nada disto. Mas, a tirarem-se “lições”, volta-se a um velho tema destas crónicas: Salazar não é, desprendido do círculo imediato de nostálgicos, ou dos beatos por mediação, um homem “de direita”. E aquilo que simboliza é algo que, despido das vulgarizações, atravessa vários grupos sociais, “classes” e “ideologias”. O mesmo, mutatis mutandis, para Cunhal.
Por fim, o que é um “grande português”?
No caricatural programa da RTP, pode lamentar-se a inexistência de cientistas, de grandes capitães de África, de Eça de Queiroz. Mas estava lá quase tudo: o Condado Portucalense e o Império, a glória e a decadência, a aventura e o realismo, a pena e a espada, a cidade e as serras.
Não sendo salazarista (nem marcelista), e tendo sempre achado que o nacionalismo português precisa de sacudir as capelas do século XX, ou imbecilidades que se lhe pretendem colar (como o racismo), tenho no entanto que dizer algo sobre os “finalistas”. Com PIDE e Aljube, torturas e desaparecimentos, Salazar tinha Portugal (cuja História, como disse, o “esmagava”), de forma certa ou errada, como o valor máximo. Álvaro Cunhal, no seu sonho de uma “revolução” em todo o mundo, punha outras convicções no topo.
E como decidiria, se um Portugal “capitalista”, ou “fascista”, tivesse de se defender contra uma invasão da URSS, o “sol da Terra”?
Nuno Rogeiro
in, SÁBADO – 29 MARÇO 2007 – p.50
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