\ A VOZ PORTALEGRENSE: Crónica de Nenhures

domingo, junho 07, 2009

Crónica de Nenhures

Feiras - Memórias - Tradições
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As novas gerações não sabem o que representava para o concelho de Portalegre, nas décadas de sessenta e meio de setenta de 1900, as três feiras que ao longo do ano se realizavam. A primeira era móvel, na última quarta-feira de Janeiro e chamava-se Feira dos Porcos, e as outras duas com data fixa eram a Feira das Cerejas a 5, 6 e 7 de Junho, e a Feira das Cebolas em 13, 14 e 15 de Setembro. De perto e de longe vinha gente negociar, e a cidade enchia-se de animação. Recordo com fraca nitidez as feiras quando se estendiam pelo Jardim da Avenida da Liberdade, com as suas belas iluminações. Mas é do tempo em que se realizavam no Largo do Estádio Municipal, hoje Praceta João Paulo II, que a minha memória está mais viva.
Passados trinta e seis anos desde o último em que a todas assistira, nas vésperas de ir para Coimbra, o que resta dessa época? Um vazio! Todos os meses há um mercado franco que abastece de toda uma série de produtos a preços medianos e qualidade duvidosa o concelho, aparecendo nos últimos tempos espanhóis da raia. Com o acentuar da quebra do poder de compra das gentes de Portalegre, este mercado desempenha cada vez mais importante papel nas economias domésticas locais. Contudo, o sítio onde se realiza, nos chamados Assentos é deplorável para vendedores e compradores, isto é, infra-humano no Inverno e Verão, medíocre na Primavera e Outono, pese embora o recinto tenho sofrido uma requalificação. Entretanto, as três grandes feiras perderam todo o significado, confundindo-se hoje com pequenos mercados.
Quando se é jovem, teenager, feiras, festas e romarias ficam para sempre na memória. Anos depois, surge a nostalgia e a saudade. Júlio Dantas escreve na Ceia dos Cardeais que recordar é viver, transformar n’um sorriso o que nos fez sofrer, ressurgir dentro d’alma uma idade passada.
Mas, recordar não será também lembrar o que nos fazia feliz? Para o estudante daqueles anos sessenta e setenta, as feiras em Portalegre marcavam no calendário momentos distintos. A Feira dos Porcos passava despercebida, porque durava apenas um dia, não tinha divertimentos e quase sempre chovia. A Feira das Cerejas antecipava o início das férias grandes e do Verão. A Feira das Cebolas antecedia o Outono e o começo de novo ano lectivo. Além destes pormenores, a Feira das Cebolas durava precisamente os três dias, porque os feirantes tinham que ir para a Feira de São Mateus em Elvas, a mais importante da região, enquanto a Feira das Cerejas se prolongava para além dos habituais, porque até à Feira de São João em Évora ainda faltava algum tempo.
Se já não havia a tradição de estrear fato novo pela feira, o hábito de andar rua acima rua abaixo nunca se perdeu, tal como comprar torrão de Alicante, massa frita ou petiscar nos restaurantes, andar em carrosséis, aviões, carros de choque, ir ao poço da morte ou ao circo quando este também estava.

Hoje 7 de Junho, terminaria mais uma Feira das Cerejas. Dela apena resta a data a memória do passado. E ao relatar factos de juventude, vieram à memória as diferenças entre a Feira das Cerejas de 1973 e a de 1974. Além dos três dias oficiais funcionava em pleno no quarto, e só depois é que começava lentamente a desmontar-se, e os últimos feirantes a partir eram, felizmente, os dos divertimentos.
Os testes já tinham sido feitos, a matéria dada e as aulas estavam a terminar, sempre a onze de Junho. A Piscina Municipal abrira no Dia da Cidade, a 23 de Maio, o Cine-Parque reabria, a transição para o Verão cumpria calendário, enfim, eram dias de puro prazer. Gozávamos aquele final de ano escolar habitualmente, sem preocupações com o futuro. Aliás, com o Armando Malcata e o Fernando Carita, iríamos passar o mês de Julho a Monte Gordo, sozinhos!, numa tenda dos pais do Fernando José no Parque de Campismo, à saída para Vila Real de Santo António e frente a um areal magnífico e um mar calmíssimo.
Com o Fernando, o Armando e o Augusto Cebola formávamos um núcleo duro de Amigos que o tempo pôs à prova. Celebrávamos a boa mesa, não falhávamos acontecimentos mundanos, e não tínhamos compromissos, vulgo namoros..., como acontecia com o António José Graça, Francisco Marcão, Luís Afonso ou Luís Filipe Meira. Além destes, estávamos com o Carlos Alves, Carlos Vintém, João Vintém, Joaquim Conde, Jorge Bezerra, Jorge Serra, Manuel Carlos Mendes, Mário Alegre ou Rui Jónatas, nos sítios habituais, Alentejano, Central, Tarro, e também Capote, Catacumbas do Marchão, David, João dos Bigodes, Plátano, Romualdo, enfim!...
E como esquecer cumplicidades e a amizade da Fany.
Que dias inesquecíveis os da Feira das Cerejas de 1973, de terça-feira 5 a sexta-feira 8! Foi a última de um ciclo. Quanto à do ano seguinte, tudo seria diferente.
Mário Casa Nova Martins