\ A VOZ PORTALEGRENSE: Os Filhos de Húrin

quarta-feira, maio 02, 2007

Os Filhos de Húrin

Os mágicos filhos de TOLKIEN
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«Os filhos de Húrin», de Tolkien, já se encontra nos escaparates, entre elogios e polémicas tendo-se tornado num dos lançamentos mundiais mais mediáticos do ano
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Texto de Vítor Quelhas
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Os Filhos de Húrin
J. R. R. Tolkien
Europa-América, 2007
trad. de Fernanda Pinto Rodrigues,
326 págs.
€22,35
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Tolkien, criador do mundo imaginário da Terra Média e marco fundamental da literatura fantástica moderna, continua a ser para os seus incontáveis leitores, não sem razão, um genial contador de histórias, com uma imaginação prodigiosa, de recursos praticamente ilimitados. Embora não fosse propriamente um escritor, construiu uma fabulosa saga em vários volumes, que não cessa de seduzir quem nela se embrenha. Com quase uma dezena de obras publicadas em Portugal pela Europa-América - entre as quais O Senhor dos Anéis (que vendeu 150 milhões de exemplares no mundo inteiro), O Hobbit, Silmarillion e Contos Inacabados de Numenor e da Terra Média -, havia no entanto uma, incompleta, que começara a provocar intensa expectativa nos fãs: Os Filhos de Húrin (The Children of Húrin), ficção também povoada por anões elfos, dragões, heróis e homens, que Tolkien começou a escrever entre 1917 e 1918 mas nunca concluiu.
Mesmo depois de morto, Tolkien continuaria a fazer história. O livro agora publicado, Os Filhos de Húrin, incide sobretudo em Turin Turambar e Nienor, personagens da Primeira Era do Mundo e filhos de Húrin, um herói amaldiçoado pelo Primeiro Senhor das Trevas. Embora Tolkien fosse cristão católico, toda a sua narrativa contém perceptíveis ressonâncias de mitologia pagã e wagneriana, que enfatizam, por um lado, um desenrolar mágico dos acontecimentos e, por outro, um sentido dramático da história e da salvação. Não seria contudo justo confinar Tolkien ao género fantasia, tanto mais que ele acalentava um projecto bastante mais ambicioso: o de tratar, fora de um quadro de convenções demasiado estreito, das questões fundamentais da vida e da procura de sentido para a aventura humana, apoiando-se numa história sem tempo e espaço definidos, de contornos primordiais e arquetípicos, em que tudo é possível, mesmo as criações e ocorrências mais extravagantes.
A tarefa de terminar a obra inacabada caberia a Christopher Tolkien, editor e o terceiro de quatro filhos do autor, hoje com 82 anos e herdeiro do seu espólio literário. Foi ele que dedicou as últimas três décadas a finalizar a obra anunciada, que agora, de certo modo, é editada como independente de J. R. R. Tolkien, mas tendo por base as notas e rascunhos deixados por este, muitos deles escritos à mão e quase ilegíveis, ao ritmo da desordem natural do seu caos criativo. Curiosamente, de todos os filhos de Tolkien, Christopher foi o que mais privou com a obra do pai, seja quando escutava os contos de Bilbo Baggins em criança, seja, anos mais tarde, quando o ajudava na concepção e escrita de O Senhor dos Anéis.
Christopher já editara uma compilação póstuma de Tolkien, Silmarillion, tendo sido criticado por ter incluído interpolações suas; mas, apesar disso, o livro tomar-se-ia uma referência para a compreensão dos fundamentos da ficção tolkieniana, toda ela percorrida por actos de ousadia, coragem, auto-sacrifício, heroísmo e magia e, sobretudo, redenção. De iniciação, diríamos nós, no sentido mais profundo e épico da demanda de si e da necessidade de o homem deter as rédeas do seu destino, ousando libertar-se das forças que o constrangem e aprisionam. Daí a importância que assumem, nesta história, os grandes feitos e o triunfo das forças do bem sobre aquelas que, por serem obscuras e malignas, ameaçam não apenas a integridade e a superação do indivíduo mas também a ordem social, natural e universal.
John Ronald Reuel Tolkien nasceu em 1892, tendo feito em Inglaterra os seus estudos, concluídos em 1915 na Universidade de Oxford, na qual leccionou, tendo no entanto começado a carreira académica na Universidade de Leeds. A sua vida foi partilhada entre o professorado, a investigação e a arquitectura narrativa nos seus livros, a qual se consubstancia num mundo perdido, a Terra Média, um mundo antes do nosso, recriado ao pormenor através de uam geografia imaginária (traçada sob a forma de mapas), uma linguagem própria (construída com etimologias escandinavas e anglo-saxónicas) e raças estranhas (inspiradas em mitologias várias). Esta edição conta com belíssimas ilustrações de Alan Lee, o mesmo que ilustrou a trilogia O Senhor dos Anéis, cuja adaptação cinematográfica, dirigida por Peter Jackson, fez com que Tolkien alcançasse a consagração mundial.
in, EXPRESSO – 28 DE ABRIL DE 2007 – actual – ps.54/55